BioBrasil: entrevista Nikelen Witter

Conversamo com Nikelen Witter, escritora, historiadora e professora da Universidade Federal de Santa Maria e uma das mais importantes representantes do gênero steampunk no Brasil.

Março é um mês especialmente feminino. No último dia 8 celebramos o Dia Internacional da Mulher conversando com Monique Malcher, vencedora do Prêmio Jabuti de 2021 na categoria conto. A semana passada Elisa Duarte apresentava aqui no programa o grupo “Samba de moça só”, uma formação integrada somente por mulheres de Aracajú, no estado de Sergipe. E hoje, para continua com esta linha, falamos com Nikelen Witter, escritora, historiadora e professora da Universidade Federal de Santa Maria (UFMS, Brasil) e uma das mais importantes representantes do gênero steampunk no Brasil.

A sua carreira profissional começou em 2011, com a publicação do conto “Pena e o Imperador” na antologia Steampink (Ed. Estronho) e um ano depois apareceu o seu primeiro romance Territórios Invisíveis (Ed. Estronho), com o qual chegou a ser finalista do Prêmio Argos. Em 2017 publicou com os escritores A.Z. Cordenonsi e Enéias Tavares, o romance Guanabara Real e a Alcova da Morte (Avec editora), vencedor do Prêmio Le Blanc e do Prêmio AGES de literatura juvenil. O seu último trabalho é Viajantes do Abismo (Avec editora, 2019), uma história steampunk sobre desertos que avançam cobrindo cidades no mundo no limite da destruição, com a qual foi indicada ao Prêmio Jabuti na categoria de Melhor Romance de Entretenimento.

Certamente, com essa apresentação, vocês já estão curiosos. Mas, quem é Nikelen Witter? O que é steampunk? Ainda, existe um steampunk genuinamente brasileiro? Como disse Jack, o Estripador, “vamos por partes”…

Origem e formação

Para conhecer mais sobre a nossa protagonista, começamos indagando sobre sua origem e formação. Nikelen Witter revela que suas raízes estão no interior do estado do Rio Grande do Sul, exatamente em Rosário do Sul, um pequeno município localizado na fronteira oeste do estado. Aos 6 anos ela se mudou com a família para a cidade Santa Maria e, naquela época já queria ser escritora. Sentia verdadeira adoração pelos livros e passaba horas inteiras admirando capas e folheando volumes, antes mesmo de saber ler. Como Santa Maria é uma cidade universitária e muito ligada à cultura, toda a sua formação esteve marcada por coisas tão maravilhosas como feiras de livro, concursos e oficinas literárias, bibliotecas repletas de exemplares onde passava cada minuto livre… E onde escrever, naturalmente! Primeiro, poesía, e depois, prosa, que acabou sendo o seu gênero preferido.

A paixão pela narrativa fez com que ela estudasse História na universidade e, na verdade, toda a sua formação (graduação, mestrado e doutorado) está nessa área de conhecimento, especificamente, em história da saúde. Como foram anos de trabalho intenso, ela se afastou da ficção para se dedicar a produzir artigos científicos. No entanto, nunca deixou de ler: os leitores inveterados sempre têm quatro ou cinco livros empilhados na cabeceira da cama. Porém, suas ideias para escrever acabaram ficando sempre “para mais tarde”. Mesmo assim, publicou em livro a dissertação de mestrado, com o título Dizem que foi feitiço: as práticas da cura no Sul do Brasil (1845-1880).

No doutorado, ela retomou a ficção. No início era uma maneira de relaxar, de liberar a cabeça das pesquisas formais que estava fazendo. Pouco a pouco, a escritura voltou a formar parte do seu dia a dia, e assim foi como decidiu que se dedicaria à literatura e, especificamente, à literatura fantástica. E isso porque, primeiro, era a sua leitura preferida; segundo, porque a literatura fantástica era um meio para ver as coisas de uma forma diferente ao trabalho habitual como historiadora; e para terminar, porque sempre considerou que o gênero fantástico tinha um grande potencial para empregar metáforas e alegorias, que era uma forma de pensar a nossa realidade fora de seus condicionantes e marcos habituais.

Steam, o quê?

Como comentava antes, Nikelen Witter é considerada uma das representantes mais importantes do steampunk no Brasil. E vocês perguntarão, o que é steampunk? A nossa entrevistada explica que o steampunk é um subgênero da ficção científica, inspirado em escritores do século XIX que imaginavam como seriam a ciência e a tecnologia com elementos e materiais disponíveis nessa época. O caso mais conhecido é, sem dúvida, Julio Verne. A finais do século XX, alguns escritores começaram a recriar esse locus decimonônico utilizando elementos daquela época, mas especulando sobre suas possibilidades com base ao que conhecemos hoje em dia. Um exemplo de tecnologia steampunk seria os computadores de madeira e aviões de vapor. De fato, a primeira parte da palavra, “steam”, vem do inglês e significa literalmente “vapor”, aludindo, assim, à principal fonte de energia daquela tecnologia deslocada no tempo.

O interesse de Nikelen por este gênero vem das pesquisas que, durante muito tempo, ela realizou sobre o século XIX. Ela admitee que sente certa afinidade estética com o século XIX e acredita que muitas questões sociais e culturais atuais, inclusive alguns dilemas por resolver, têm raízes nessa época. Daí que a sua maior afinidade seja com a segunda metade da palavra, o “punk” de steampunk, vocábulo que se origina nos anos 1970 e que é uma referência à rebeldia, à contestação social, a manifestar-se contra a ordem vigente…

Escritoras fantásticas para conhecer a fantasia brasileira

Neste mês da mulher, pedimos a Nikelen Witter que nos recomendasse algumas autoras brasileiras de literatura fantástica para aproximar-nos mais a este mundo maravilhoso e cheio de possibilidades. Nikelen diz que, felizmente, contamos atualmente com muitas escritoras fantásticas (em todos os sentidos). E aqui temos a sua lista de sugestões: A telepatia são os outros, de Ana Rüshe; Porém bruxa e Senciente nível 5 de Carol Chiovatto; Não Esqueça de Carol Façanha; A História Esquecida da Hospedaria na Estrada de C. A, Saltoris; Filhos da Lua – O Legado, de Marcela Rossetti; O Castelo das Águias da grande Ana Lúcia Merege; Nilh, de Carolina Mancini e O auto da maga Josefa de Paola Siviero.

Mesmo que a lista não seja exaustiva, já é um bom começo, não é?!

Projetos futuros

Na parte final do programa, falamos sobre os seus projetos de futuro. Nikelen Witter anda muito ocupada: em maio lançará a continuação de Guanabara real, um romance steampunk escrito com Enéias Tavares e A. Z. Cordenonsi. Também está terminando um romance de ficção científica, que estará pronto neste semestre, ao mesmo tempo que participa de uma antologia de relatos com temática steampunk. E como se não bastasse, foi convidada a participar de três projetos diferentes com três contos que ainda estão no forno… Definitivamente, ela precisa de uns clones para tanto trabalho!

Agradecemo a Nikelen sua amabilidade em conceder-nos essa entrevista. A todos vocês que nos acompanham, desejamos uma primavera cheia de muitas (e boas) leituras.

Música no programa

https://www.youtube.com/watch?v=GLxfeI-j1UI&list=OLAK5uy_nJcWva1SxgAsn12nVa4QhgF4ax301BQTc
Maria Bethânia, “Brincar de viver” do álbum Plunct Plact Zuum

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