Dia Nacional da Mulher Sambista

No Brasil, em 13 de Abril se comemora o Dia Nacional da Mulher Sambista. Confira aqui um poco da vida e obra de 5 grandes nomes do samba.

Nesta entrega de “O samba da minha terra” falamos sobre o Dia Nacional da Mulher Sambista. Há pouco mais de um ano, o governo brasileiro instituía o 13 de Abril como o Dia Nacional da Mulher Sambista. Com a Lei nº 14.834, de 4 de abril de 2024, o presidente Lula sancionava “o Dia Nacional da Mulher Sambista, a ser celebrado, anualmente, em todo o território nacional, no dia 13 de abril, data natalícia da cantora, compositora e instrumentista Yvonne Lara da Costa, a rainha e primeira-dama do samba Dona Ivone Lara” (Lei nº 14.834).

Sem dúvida, uma homenagem e um reconhecimento mais que merecidos a Dona Ivone Lara e a todas as mulheres que, com mais ou menos visibilidade, se dedicam ao samba.

A participação das mulheres no universo do samba ainda está muito associada à ideia da musa, inclusive à sexualização da mulher, como destaca a Professora Renata Amaral, numa reportagem feita pelo Jornal da USP. Há também um destacado papel das mulheres nos âmbitos do cuidado – e recordemos aqui a importância de Tia Ciata para o surgimento do samba carioca -, no espaço dos terreiros, da cozinha, da preparação de vestimentas, porém com menos visibilidade nos espaços de música e composição musical.

E para remediá-lo, neste podcast você conhecerá um poco da vida e da obra de cinco grandes mulheres sambistas brasileiras.

A grande homenageada do 13 de abril: Dona Ivone Lara

Dona Ivone Lara nasceu em 13 de abril de 1921, no bairro de Botafogo, no Rio de Janeiro, e faleceu em 16 de abril de 2018, contando 97 anos, a causa de uma insuficiência cardiorrespiratória. Dona Ivone Lara foi uma grande compositora de samba, de samba-enredo, a primeira mulher a integrar a ala de compositores de uma escola de samba e a compor um samba-enredo: “Os Cinco Bailes da História”, tema do desfile da escola de samba Império Serrano, de 1965, assinado por ela com Silas de Oliveira e Bacalhau. Essa composição lhe permitiu alcançar o reconhecimento como compositora de samba em um meio bastante masculino. Mais tarde, se tonaria “Dona Ivone Lara”, batizada pelo produtor musical Oswaldo Sargentelli.

Dona Ivone Lara entrou no curso de enfermagem e se formou em 1943. Depois, começou a trabalhar na emergência do Colônia Juliano Moreira, um hospital psiquiátrico do Rio de Janeiro. Contando já com alguma experiência profissional, em 1945, começou a fazer um curso para assistente social. Em 1947, Dona Ivone Lara se formou como assistente social, e foi trabalhar no Instituto de Psiquiatria do Engenho de Dentro, onde tinha como supervisora Nísia da Silveira, a médica psiquiatra que revolucionou a psiquiatria no Brasil. Também em 1947, ainda com 25 anos, se casou com Oscar, filho do presidente da escola de samba Prazeres da Serrinha, que desapareceria no ano seguinte. E mais: em 23 de março de 1947, foi fundada a Império Serrano por dissidentes da Prazeres da Serrinha, escola da qual faria parte ao longo de toda a vida. Finalmente, considera-se que este ano marca o início de sua carreira como compositora, mesmo que a consagração viria com o samba-enredo “Os Cinco Bailes da História”, de 1965.

No entanto, o início da carreira como compositora de samba não foi fácil. Além de passar por situações difíceis por ser mulher negra, durante bastante tempo teve que ocultar-se como autora de suas composições: no caso, o primo, mestre Fuleiro, apresentava as composições como suas, que sempre agradavam muito, até que um dia ele revelou que a verdadeira autora era a prima, Dona Ivone Lara.

Segue abaixo o vídeo da música “Sonho meu”, uma composição de Dona Ivone Lara com Décio Carvalho. A música é de 1978. Maria Bethânia gravou essa composição no mesmo ano em seu disco Álibi, em um dueto com Gal Costa. O sucesso dessa música permitiu que Dona Ivone Lara deixasse o trabalho como assistente social para se dedicar somente à música.

A “Madrinha do samba”

Elizabeth Santos Leal de Carvalho, mais conhecida como Beth Carvalho ou como a “Madrinha do samba”. Beth Carvalho nasceu numa família de classe média do Rio de Janeiro, em 5 de maio de 1946. E faleceu, também no Rio, em 30 de abril de 2019.

O interesse pelo violão se despertou quando recebeu do pai o disco Chega de saudade, de João Gilberto, de 1959. Mas, ela saltou rapidamente da Bossa Nova para o samba, porque percebeu a importância do samba como expressão artística brasileira de resistência cultural e social, especialmente num momento em que o samba era ainda descriminado por parte da elite cultural carioca.

Botafoguense e mangueirense, a “Madrinha do samba” recebeu esse título porque foi responsável por lançar muitos compositores e intérpretes que estavam começando no universo do samba, entre eles, Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Arlindo Cruz, Almir Guineto, entre outros.

Mas, realmente, a carreira de Beth Carvalho deslanchou quando ela assumiu o seu “samba na veia”, e lançou, em 1973, o disco Canto por um novo dia, com o sucesso “Folhas secas”. Em 1976, chegou outro grande sucesso: “As rosas não falam”, uma composição original de Cartola, cuja primeira gravação se registrou no disco Mundo melhor. A partir daí, foi um suma y sigue de sucessos: no disco Os botequins da vida, de 1977, com as músicas “Saco de Feijão”, “Olho por Olho”, e fechando o disco “O mundo é um moinho”, outra composição de Cartola, outra imprescindível da história do samba no Brasil. No final do ano de 1979, chega Beth Carvalho no pagode. Nesse disco, ela gravou a música “Coisinha do pai”, uma composição original de Jorge Aragão, Almir Guineto e Luiz Carlos, um de seus grandes sucessos até hoje.

Beth Carvalho teve uma atuação muito mais destacada como intérprete e instrumentista, por introduzir no samba instrumentos como banjo, cavaquinho, que então eram mais frequentes no pagode. Abaixo, o videoclipe de um dos seus maiores sucessos: “Vou festejar”, o hino do bloco Cacique de Ramos, uma composição original de Jorge Aragão e Neoci Dias, gravada no disco Pé no chão, de 1978.

Artista e ativista

Nascida no Rio de Janeiro, em 12 de setembro de 1944, Leci Brandão, atualmente, é deputada estadual por São Paulo pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB). Aos 81 anos, é uma mulher ativa e ativista, com uma obra artística reúne mais 2º discos e dois DVDs.

Leci Brandão nasceu numa família humilde: a mãe era servente de escola pública e o pai trabalhava na administração de um hospital público do Rio. Ao contrário de muitos artistas de sua geração, Leci Brandão não vem de uma família musical e nem teve formação musical teórica. Ela começou a trabalhar ainda muito cedo para ajudar a família, e chegou a assumir um cargo de chefia da Universidade Gama Filho, onde cursou Direito.

Começou a compor ainda muito jovem, com somente 19 anos. A carreira artística começou na década de 1970, quando Leci Brandão tornou-se a primeira mulher em entrar para a ala de compositores da Mangueira. Foi lá nas rodas de samba da Estação Primeira de Mangueira onde conheceu o produtor cultural Jorge Coutinho, que a levou para o Teatro Opinião. Em 1973, Leci Brandão conheceu o jornalista e crítico musical Sergio Cabral, e desse encontro saiu o seu primeiro disco, lançado em 1975, Antes que eu volte a ser nada.

Com uma trajetória artística e política marcadas pelo compromisso com as causas sociais mais relevantes no país, Leci Brandão ficou afastada dos estúdios de gravação durante um certo tempo. As letras reivindicativas e de denúncia social de suas composições não agradavam aos magnatas dos selos fonográficos, chegando a rescindir um contrato com a gravadora Polygram, em 1981, por conta da censura a algumas de suas composições entre elas, “Zé do Caroço”.

Ao longo da década de 1980, Leci Brandão teve uma intensa atividade de produção musical, participou de eventos e festivais nacionais e internacionais, na França, na Dinamarca e até no Japão. Há uma música gravada em 1985, que se tornou um sucesso absoluto e que continua sendo muito presente nos repertórios de samba, com muitas regravações. Trata-se de “Isso é fundo de quintal”, confere o videoclipe abaixo. Essa música foi gravada no disco Leci Brandão, de 1985. A letra da música faz referência ao grupo Fundo de quintal, formado na década de 1970 nas rodas de samba do bloco carnavalesco Cacique de Ramos.

“A voz do samba”

Marrom, assim também é conhecida Alcione. Dispensa complementos. Alcione Dias Nazareth nasceu em 21 de novembro de 1947, em São Luís do Maranhão. Dona de uma voz inconfundível, começou na música tocando instrumentos de sopro (trompete e clarinete). Com 12 anos, Alcione se apresentou profissionalmente pela primeira vez, com a Orquestra Jazz Guarani. Com 20 anos, já atuava em programas de música na televisão local, em bares e boates. Para conquistar novos horizontes, em 1968, se mudou para o Rio de Janeiro. Começou a cantar na noite carioca nos palcos mais emblemáticos, como o “Beco das Garrafas”, cenário onde nasceu a Bossa Nova.

Com mais de 50 anos de carreira, Alcione já se apresentou em mais de 30 países, e recebeu prêmios nacionais e internacionais em reconhecimento de sua obra, entre eles um Grammy Latino na categoria de Melhor Álbum de Samba, em 2003, e a Ordem do Rio Branco, a mais alta condecoração oferecida pelo Governo brasileiro.

Além de ser uma intérprete inigualável, com uma voz potente, Alcione é mangueirense. E tanto que para celebrar 40 anos de carreira, em 2012, gravou dois DVDs, o primeiro em sua casa, e o segundo, ao vivo, Duas faces, ao vivo na Mangueira, na quadra da escola de samba, com a participação de Diogo Nogueira, Jorge Aragão, Leci Brandão, e claro, a bateria da Mangueira.

Confira abaixo o link do trailer do documentário dirigido por Angela Zoe sobre a vida e a obra de Alcione.

“O quê que a baiana tem?”

E para terminar uma das artistas e intérpretes mais conhecidas do Brasil: Carmen Miranda, o ícone do samba brasileiro de exportação da década de 1930. 

Nesta mesma coluna, emitimos na temporada de 2020, uma entrevista com a professora e pesquisadora da Universidade Estadual Paulista (Unesp, Brasil), Tânia da Costa Garcia, doutora em História Social pela USP, que defendeu uma tese sobre Carmen Miranda, intitulada O “it verde e amarelo” de Carmen Miranda, título do mesmo livro que a autora publicou em 2004. Tânia da Costa Garcia é também autora do artigo “Carmen Miranda na encruzilhada do samba”, publicado no livro As bambas do samba (EdUFBA, 2016). 

No artigo, a autora aborda aspectos biográficos e da trajetória artística dessa primeira grande intérprete de samba brasileiro. De forma muito resumida, Carmen Miranda surge num contexto – na primeira metade do século XX, na década de 1930 -, de busca e construção de uma identidade nacional, momento em que também surgia o samba urbano, assim como a ampliação do acesso aos meios de comunicação: o rádio como entretenimento e a chegada do cinema falado. Esse samba urbano, carioca, essa nova musicalidade em construção, chegou a Carmen Miranda porque os músicos, compositores e intérpretes da época, homens, frequentavam a pensão dos seus pais, portugueses imigrantes, chegados ao Rio no início do século. Pois bem, o personagem Carmen Miranda que conhecemos, com seus balagandans e vestida com traje de baiana, isso virá mais tarde, em boa medida, graças ao cinema norte-americano. 

Maria do Carmo Miranda da Cunha, mais conhecida como Carmen Miranda nasceu em 9 de fevereiro de 1909 e faleceu em Beverly Hills em 5 de agosto de 1955. O seu primeiro grande sucesso foi “Tic-tac do meu coração”, uma composição original de Alcyr Pires Vermelho e Valfrido Silva, gravada por Carmen Miranda em 1935.

Ainda há muito caminho que percorrer, mas esse reconhecimento já é um bom começo.

O samba da minha terra é uma coluna dedicada ao samba do programa Brasil es mucho más que samba, emitido todas às terças-feiras, às 17h30, em Rádio USAL. Para sugerir uma pauta ou contatar com a equipe do programa, escreva ao masquesamba@usal.es

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