BioBrasil: Roberta Barban Franceschi

Conversamos com a diretora da Bienal Iberoamericana de Diseño sobre design circular, artesanato e, especialmente, sobre a contribuição brasileira neste campo.
Foto: UNIR.

Nesta emissão do BMQS, conversamos com Roberta Barban Franceschi, doutora (Cum Laude) em Belas Artes pela Universidade Complutense de Madrid, arquiteta, urbanista e designer de interiores, com Mestrado nas áreas de Design de Produto, Design e Inovação e Arte e Investigação pela Universidade Estadual de São Paulo (UNESP-Bauru, Brasil).
Roberta é, além disso, coordenadora da graduação em Design de Interiores na UNIR e diretora da Bienal Iberoamericana de Diseño (BID), que acontece a cada dois anos na Central de Diseño de Matadero de Madrid, e que se consagrou como um dos eventos mais importantes para os designers latino-americanos contemporâneos.

A especificidade do design de móveis made in Brazil

Roberta Barban Franceschi investiga há muito tempo o design de móveis no Brasil. Trata-se de um tema da moda, muito presente no nosso dia a dia, sobretudo graças à vitrine das redes sociais. Mas, o que diferencia o design de móveis brasileiros do europeu? Que características tem o design brasileiro? Em que o Brasil contribui para o resto do mundo?

Roberta começa falando da influência portuguesa neste setor, que remonta à época colonial, e na qual o elemento estrela é a madeira, muito abundante e variada no Brasil. Embora haja designers que mantenham esta tradição, na atualidade, as coisas mudaram e se pode observar uma clara tendência que aposta por materiais e técnicas regionais, e na qual adquirem protagonismo linguagens diferentes. O uso de cores ou materiais pouco comuns como corda, borracha, etc., dá um perfil muito mais fresco e menos formal ao design brasileiro.

Nesse sentido, destaca Roberta, também é preciso considerar as dimensões do país e as grandes diferenças que existem entre suas regiões. O Sul é mais formal, mais rígido e “europeu”, como ela define, enquanto no Norte, encontramos posturas mais flexíveis, maior diversidade de cores, tecidos que se ajustam ao corpo, ao clima…

Para ilustrar a importância de adaptar o design às diferenças culturais, ela nos apresenta o curioso caso do famoso designer, já falecido, Sergio Rodrigues, que tinha uma loja de móveis no Rio de Janeiro e outra em São Paulo, nas quais vendia sua peça principal, o sofá Mole. Pois bem: a medida do móvel no Rio era diferente da de São Paulo, simplesmente pela diferente maneira de usar o sofá em cada cidade, mais relaxada no primeiro caso, mais formal no outro.

Além de Sergio Rodrigues, nesta primeira parte da entrevista, Roberta Barban Franceschi menciona também outros grandes designers de móveis brasileiros como os irmãos Campana, que começaram uma linha mais disruptiva consistente em incorporar materiais de proximidade e entender as diferentes possibilidades das técnicas tradicionais; Sergio Matos, um designer mato-grossense, com um forte vínculo cultural com sua terra natal; ou Marcelo Rosenbaum que, embora tenha algumas peças de mobiliário, destaca-se

por este resgate das culturas nacionais e o que ele contribui no âmbito da estética em conceitos de espaço (…). Ele faz um trabalho muito importante, e também é como um curador de pessoas que trabalham com design em diversas áreas, desde mobiliário a tecidos, cerâmicas… é uma referência neste momento para entender estas questões.

O triunfo do design circular

A propósito da conversa, do que nos diz Roberta sobre o emprego de materiais locais e da valorização da cultura regional, perguntamos-lhe sobre o conceito de design circular. É possível um design sustentável em que se leve em conta tanto a viabilidade técnica e econômica quanto o impacto ambiental e social? Como se educa para a circularidade, as transições e os novos materiais? O Brasil pode se colocar à frente do biodesign e do design circular?

Ela nos diz que o conceito de sustentabilidade foi mudando ao longo das décadas e que, agora mesmo, se centra na possibilidade de que os materiais empregados voltem a ter uso.

Sabemos que o design tem má fama no âmbito da sustentabilidade porque é uma área que, na realidade, faz coisas bonitas e te anima a consumir e há muito dessa questão de usar e jogar fora (…). O que fizemos foi gerando consciência e este é um papel importante que [corresponde à] universidade: de levar o aluno a entender que ele pode fazer um objeto e que é importante que saiba que há partes que podem ser substituídas, que não é preciso jogar tudo no lixo e que este objeto pode gerar várias partes e estas partes voltarem à cadeia de produção (…) e assim não consumir tanto material do planeta, que não temos. Esta é a visão da circularidade.

Outra parte importante, nos diz Roberta, é a dupla vida das coisas, potencializada pelo uso de alguns aplicativos de compra e venda entre particulares, e que antes disso já vinha promovendo há muitos anos a Ellen MacArthur Foundation: vender o que não se usa ou não se necessita ou inclusive compartilhar a propriedade de certos objetos que só usamos ocasionalmente (como uma furadeira) entre várias pessoas. São iniciativas que ajudam a reduzir nossa pegada de carbono e que criam novos modelos de consumo. E conclui Roberta:

A vida evolui e você vai ter necessidades distintas (…) Não é impedir que a vida flua, mas que haja mecanismos (…) novas possibilidades.

O potencial do design artesanal

Para terminar a entrevista, conversamos com Roberta Barban Franceschi sobre o potencial do design artesanal brasileiro, cujos conceitos estão começando a ser valorizados agora pelos designers europeus.

Roberta comenta que o Brasil sempre olhou para fora em questões de design, mas que isso começou a mudar com o trabalho de Ruth Cardoso, a esposa do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, uma antropóloga pioneira na década de 1970 no reconhecimento da emergência dos movimentos sociais que abrigavam minorias e que revalorizou o trabalho das comunidades tradicionais, colocando-as em contato com designers e contribuindo para gerar entre seus membros uma economia sustentável.

Roberta fala também do trabalho da arquiteta ítalo-brasileira Lina Bo Bardi, que nos anos 1990 tentou resgatar o trabalho artesanal que se fazia no nordeste brasileiro. Seguindo esta linha, designers como o mencionado Marcelo Rosenbaum recolheram o testemunho, para colocar no lugar que merece as tradições artesanais brasileiras.

Finalmente, nossa entrevistada confessa que quando chegou à Europa, a revalorização dos conhecimentos e técnicas ancestrais não era bem vista, mas sim considerada algo antiquado e pouco útil. No entanto, agora, diante do desaparecimento inevitável de certas artes como a renda de bilro, por exemplo, a prática artesanal voltou a ser apreciada. Esta tendência é algo que se refletiu nas últimas Bienais Iberoamericanas de Diseño nas quais se enfatizou a importância de entender o valor da tradição e das técnicas artesanais tradicionais. No fundo, conclui Roberta, trata-se “do resgate da dignidade de uma sociedade”.

Música no programa

BioBrasil é uma coluna do programa Brasil es mucho más que samba dedicada a divulgar a biografia de expertos, profissionais e personagens (históricos e atuais) da vida cultural, política e social brasileira. Brasil es mucho más que samba se emite todas às terças-feiras, às 17h30, em Rádio USAL. Para sugerir uma pauta ou contatar com a equipe do programa, escreva ao masquesamba@usal.es

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