Continuamos com a série dedicada à literatura de ficção científica conversando com Ricardo Labuto Gondim, o último vencedor do Prêmio Argos de Literatura Fantástica concedido pelo Clube dos Leitores de Ficção Científica. O resultado da premiação foi publicado no último mês de dezembro e Pantokrátor, o terceiro romance deste escritor prolífico e atípico, foi contemplado com o prêmio.
Formação e trajetória

Para começar a conhecer um pouco melhor o nosso protagonista, pedimos que nos contasse sobre a sua formação e trajetória como autor. Ricardo é licenciado, por maior que seja a surpresa, em Teologia. Quando lhe perguntamos porque decidiu estudar essa carreira, ele respondeu que era somente um homem com um monte de perguntas. Estudando teologia não encontrou nenhuma resposta, mas as perguntas melhoraram muito. Não tem formação na área de literatura, e escreve simplesmente aquilo que gostaria de ler, esperando, sem muitas pretensões, que outras pessoas também gostem do que ele escreve.
Ricardo afirma que adora música e que, por isso, teve mestres muito diferentes. Por exemplo, com Beethoven aprendeu estrutura e o valor da organicidade do texto, Brahms lhe deu aulas de sobriedade (“a emoção tem que estar no leitor”, diz abertamente) e Wagner foi seu mestre de sentido do drama.
Ele é autor de seis livros: dois volumes de contos fantásticos Deus no labirinto (Editora Baluarte, 2012) e Colpaso (Editora Caligari), um livro juvenil Caçadores de Imagens (Editora Viés, 2019), um romance policial com alguns traços de ficção científica B (Editora Baluarte, 2013) e outros dois romances de ficção científica premiados e reconhecidos: Corrosão (Editora Caligari, 2018) e Pantokrátor (Editora Caligari, 2020).






A origem de Pantokrátor
Em 2018, Jair Bolsonaro foi eleito presidente do Brasil, e seu governo se caracteriza por um esquecimento quase absoluto de questões tão essenciais como a ciência, educação e cultura, tudo isso agravado pela atual situação sanitária causada pela pandemia. A situação horrorizou o nosso protagonista (que confiessa que ainda hoje está horrorizado), e mesmo que esses personagens não lhe atraem em nada como escritor, sim se interessou pelo sentimento social resultante e pela dinâmica da manipulação. Assim, já em 2018, começou a pesquisar sobre as tecnologias de modulação social, as ferramentas do hipercapitalismo que marca, escraviza e transforma as pessoas em gado. Tentou entender o futuro dessas ferramentas e isso- exatamente- é Pantokrátor. Escreveu o livro em dois anos. A obra foi publicada em 2020 e em 2021 recebeu o Prêmio Argos de Literatura Fantástica.
Pantokrátor é uma narrativa noir baseada no conceito de “tecnopoder” idealizado pelo filósofo francês Éric Sadin. Ricardo utiliza esse conceito e o amplifica no livro, convertendo-o em tecnopoder autotélico. De fato, a “amplificação” é o conceito que melhor define Pantokrátor: a amplificação das forças que nos movem e modulam o aqui e o agora, a amplificação de uma sociedade alienada que gera massas de dados que são utilizados em contra dos próprios indivíduos e que, por mediação dos algorítmos, se acaba transformando na sociedade do ódio e do irrelevante. Em Pantokrátor são narradas coisas muito graves em um tom suave, quase em brincadeira, o que faz dele um livro bem-humorado, ainda que seja um humor convencional.
Quando terminou de escrever o romance, pensou que seria catalogado como “distopía”, algo que não lhe agradava. Por isso, se adiantou e escreveu um posfácio onde dizia não acreditar em distopias: “O que existe em oposição à utopia é o que chamamos realidade, não uma categoria literária. Por que devemos ler Pantokrátor? Somente olhe pela janela”, diz.
Palavras, palavras, palavras…
Ricardo Labuto Gondim é um autor de ficção científica, mas também de um romance policial, de contos de terror e até literatura juvenil. Com tanta facilidade para mudar de gênero, nos preguntamos se sua forma de escrever era diferente em cada caso e se tinha diferentes estratégias para enfrentar o papel em blanco. Ricardo confirma que sim, que o seu estilo é o da história que está escrevendo no momento. Por exemplo, a coleânea Colapso inclui três contos que são claramente de terror, dois de ficção científica e três, inclassificáveis. Nesse livro há vários gêneros e temáticas convivendo juntos. E mesmo que o nosso protagonista se defina como uma escritor de ficção científica, tenta respeitar o tom da história que está contando. Assim, prefere se arriscar e não etiquetar o relato a um gênero no qual se sinta mais confortável.
Para terminar, destacamos uma interessante reflexão que o escritor faz sobre a literatura de ficção científica: afirma que este gênero tem um compromisso com tudo o que é humano, porque fala sobre a razão. A realidade é tão absurda e incompreensível, que é imperativo uma abordagem metafórica para poder interpretá-la e isso é, justamente, o que faz a ficção científica.
A ficção científica brasileira hoje
Preguntamos a Ricardo Labuto Gondim pela situação da literatura de ficção científica brasileira. Continua sendo uma literatura marginal ou já alcançou um patamar consolidado? Quais obras e autores brasileiros do gênero temos que conhecer?
O nosso entrevistado começa dizendo que a literatura de ficção científica brasileira é plural em um país plural e tem, portanto, uma riqueza enorme de temas e subgêneros. Algumas obras que destaca são Vera Cruz: sonhos e pesadelos de Gabriel Billy, que mistura retrofuturismo, história e fantasia; A Mão que Pune do nosso querido Octavio Aragão, uma obra de steampunk da grande categoria; Nebulosa de André Cáceres, que deu uma solução brasileira ao gênero da space opera; Paraíso líquido, de Luiz Brás, um dos autores mais prolíficos do gênero no Brasil; Até que a brisa da manhã necrose teu sistema, de Ricardo Celestino um modelo de experimentação com a linguagem e no extremo oposto Terra verde, de outro autor clássico, Roberto de Sousa Causo, que explora uma Amazônia invadida por extraterrestres.
Para os leitores espanhóis, duas recomendações de antologias: Fractais tropicais, organizada por Nelson de Oliveira com alguns dos autores brasileiros mais destacados do gênero. E Solarpunk. Histórias ecológicas e fantásticas em um mundo sustentável, organizada por Gerson Lodi-Ribeiro, com nove autores do Brasil e de Portugal, que reinventam este novo subgênero, criado pelo próprio Gerson.
Por outro lado, Ricardo diz que a ficção científica ainda sofre muito preconceito. De fato, alguns leitores de Pantokrátor lhe confessaram que havia sido a primeira vez que tinham lido algo do gênero. Triste, mas real. Tomara que com uma boa dose de literatura conseguimos abrir mentes…
Agradecemos a Ricardo Labuto Gondim sua amabilidade e disponibilidade para esta entrevista. Foi uma satisfação compartilhar com ele uns minutos de boa (e premiada) literatura brasileira.
Referências
Blog Ficção Científica Brasileira. Post dedicado a Pantokrátor: https://ficcaocientificabrasileira.wordpress.com/2020/06/11/pantokrator/
Entrevista a Ricardo Labuto Gondim no blog “Os imaginários”: