BioBrasil: Verena Cavalcante

Voltamos ao tema da literatura de terror com uma entrevista com a escritora Verena Cavalcante, que apresenta o seu particular "Inventário de predadores domésticos".

Há umas semanas, conversamos aqui no programa com Rodrigo de Oliveira, autor da saga “As crônicas dos mortos”, um total de 7 volumes, publicados pela Faro Editorial, nos quais os mortos vivos aprontam por diversas cidades brasileiras.

Hoje voltamos ao tema da literatura de terror, mas com um olhar diferente, mais psicológico e menos sangrento, e com menos criaturas de ultratumba. Falamos de um terror que se arrasta por debaixo das portas fechadas, apenas visto de rabo de olho, um terror que paraliza e nos deixa sem ar. E para isso, contamos com a escritora, professora e revisora de textos Verena Cavalcante. Autora de relatos inquietantes, entre a náusea e o medo primordial, a entrevistada do programa de hoje consegue fazer-nos sentir medo… Inclusive de nós mesmos.

Todo terror tem uma origem

Verena Cavalcante tem 33 anos, é natural do município de Limeira, no estado de São Paulo. Ela é licenciada en Letras pela Pontíficia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas) e, desde 2011, trabalha como revisora e tradutora, entre outros para a editora DarksideBooks.

Na entrevista, Verena conta que nunca havia pensado ser escritora profissional, mesmo que a escritura é parte da sua vida desde a infancia. Ainda criança, gostava de escrever finais alternativos para relatos clássicos, elaborando suas próprias versões dos contos de fadas da Disney. Além disso, sempre escreveu diários: desde os 10 anos até o confinamento na pandemia, a palavra escrita faz parte da sua rotina. Pensava na escritura de forma orgânica, quase automático. E foi em 2012, quando começou a trabalhar em Larva, o seu primeiro livro de contos, que escrever passou a ser algo meditado.

Chegou ao terror também de forma natural, primeiro consumindo literatura e filmes do gênero. De fato, quando escreveu Larva, formado por relatos nos quais os protagonistas são crianças que narram situações de abuso e violência, ela se surpreendeu quando a crítica considerou o livro uma obra de terror… porque ela não achava que aquilo fosse um livro de “medo”!

Leitora voraz, não recusa nenhum gênero, mesmo que se identifica mais com o terro, porque se conecta com seus sentimentos e com lugares escondidos de sua alma. Alguns de seus autores favoritos são clássicos como Clarice Lispector, Ligia Fagundes Telles, José Mauro de Vasconcelos e Graciliano Ramos, mas também escritores como Cesar Bravo, Paula Febbe, Sheyla Smaniato e Bruno Ribeiro. Considera-se uma amante da literatura latino-americana de terror, especialmente escrita por mulheres, uma literatura que trata do corpo, do feminino, do político e do social. Neste sentido, destaca nomes como María Fernanda Pereiro, Mariana Enríquez, Samanta Schweblin, Shirley Jackson, Dolores Reyes, entre outras.

E tem novidade na área: este ano, Verena vai publicar uma antologia de relatos em espanhol, mas ainda sen data de lançamento. Ela também está escrevendo o seu primeiro romance, inspirado na infância e nas micro-violências da vida cotidiana. Ela diz que esse processo é ao mesmo tempo desesperador e delicioso, principalmente, porque tem que combiná-lo com o trabalho formal e com a maternidade. Nesse caso, o grande desafio é o tempo. Se fosse possível comprar tem, bem que compraria…

As formas (e os nomes) do terror

Verena Cavalcante opina que a literatura brasileira de terror é crua, visceral e violenta. Também acha que no Brasil, as obras não têm um cunho tão político e social, como acontece em outros países da América Latina. Apesar disso, não acredita que exista um “terror brasileiro” nem argentino nem americano. Para ela, o terror é universal, porque está baseado no que a gente mais teme… o medo alcança todo o mundo da mesma maneira. Todos nós temos diferentes medos: do escruto, do barulho no meio da noite, de ouvir um sussurro quando estamos sozinhos… É um terror primário, animal, que define a essência do que é ser humano, que não é outra coisa diferente do medo da morte.

Verena afirma que há excelentes autores brasileiros do gênero, alguns publicados pela DarsideBooks, uma editora dedicada exclusivamente ao terror e suspense. Entre outros nomes da cena literária brasileira, ela cita  Marcos de Castro, Márcio Benjamin, Bruno Ribeiro, Larissa Prados, Márcio Benjamin, Irka Barrios, André Vianco e Rafael Montes. São muitos escritores e cada um com sua própria voz, algo que, para ela, é fantástico. É realmente genial poder contar com um cenário cada vez mais consolidado, que fortalece o que até agora era considerado uma literatura menor.

Para Verena, este crescimento exponencial do terror se alimenta dos terríveis tempos que estamos padecendo no mundo todo. A pandemia de covid-19 foi a experiência viva de uma verdadeira história de terror. O contato com a doença, a insegurança e a violência nos fazem buscar consolo no terror. Para ela, o terror tem um papel de assustar e de proporcionar um alívio, uma válvula de escape, que nos permita expressar nossos sentimentos negativos.

Predadores domésticos

O último livro de Verena Cavalcante se intitula Inventário de Predadores Domésticos, publicado precisamente pela DarksideBooks. O livro reúne os contos lançados nas obras Larvas e O berro do bode, com outros 13 contos inéditos, que dialogam com duas temáticas diferentes. A primeira é uma imagem distorsida da nossa própria rua que, de repente, aparece ocupada por agressores sexuais, pervertidos, assassinos e, principalmente, por crianças que sofrem violências e tragédias… e que também provocam tragédias e violência. A outra linha tem um terror mais fantástico, folclórico e fantasmagórico.

A infância é a principal fonte de insperiação de Verena Cavalcante nesse livro: um mundo idealizado pelos adultos, no qual as crianças são criaturas puras. Mas, o jornal revela todos os dias que isso não é bem assim. Que as crianças são seres vulneráveis num mundo feroz, e que são devorados pelo abuso sexual, a violência doméstica, as dificuldades econômicos ou as carências sanitárias. E, ainda assim, a inocência se resiste, isso é o que lhe fascina. Por isso, seus textos são inquietantes: porque o leitor adulto é consciente dos perigos, do mal que se abre alredor do menino protagonista, sem que ele chegue a comreender o que está acontecendo.

Pode ser que a infância seja um momento idílico da vidade algumas pessoas, mas, em geral, é também uma época de muito medo e violência, porque as crianças não têm esse filtro, esse freio, que nos adultos nos impede, por exemplo, de jogar uma pedra na cabeça ou cuspir na cara de alguém.

Outras fontes de inspiração para Verena são fotografias antigas, pinturas, arte visual em geral, incluindo música e cinema… e, claro, os insetos, que têm um papel muito importante em seu Inventário de Predadores Domésticos. A forma em que essas criaturas se organizam, criando suas próprias sociedades, é pavorosa porque, se pensamos bem, tal como com as crianças, essas criaturas são invisíveis para a maioria das pessoas…

Agradecemos a Verena Cavalcante a oportunidade da entrevista aqui na Radio Universidad.

Para saber mais

https://comoeuescrevo.com/verena-cavalcante/
https://darkside.blog.br/verena-cavalcante-minha-composicao-e-uma-composicao-de-sofrimento/
https://www.youtube.com/watch?v=85MqCskSAL0

Música no programa

https://www.youtube.com/watch?v=PSe2Dn960mo

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