Esta emissão do BioBrasil traz consigo uma temática literária fascinante, que marcou profundamente a cultura brasileira: a literatura de cordel. Unamuno disse deste gênero, em sua obra Paz en la Guerra, publicada em 1923:
Aqueles folhetos encerravam a flor da fantasia popular e da história; havia os de história sagrada, de contos orientais, de epopeias medievais do ciclo carolíngio, de livros de cavalaria, (...) de façanhas de bandidos, e da guerra civil dos sete anos. Eram o sedimento poético dos séculos, que depois de nutrir os cantos e relatos que consolavam a vida de tantas gerações, rolando de boca em ouvido e de ouvido em boca, contados ao amor do lume, vivem, por ministério dos cegos ambulantes, na fantasia, sempre verde, do povo.
Miguel de Unamuno
Em sua origem, eram transmitidos de forma oral por poetas ambulantes que os recitavam diante de um público improvisado, mas com o tempo passaram a ser escritos em pequenos folhetos que se vendiam em mercados e feiras. De fato, o nome “cordel” provém da maneira como esses poemas costumavam ser vendidos: pendurados em cordas ou cordões nos mercados e praças públicas. Na Espanha e em Portugal, era muito comum comercializar os poemas dessa forma, pendurando os folhetos de romances em cordas. O gênero foi levado ao longo do Mediterrâneo e além do Atlântico, até a América Latina, devido ao comércio marítimo entre Espanha e Portugal com suas colônias. No século XIX, chegou ao Brasil, onde teve muita popularidade, especialmente no norte do país.
Segundo o artigo de Gabriel Cocimano “La tradición oral latinoamericana: las voces anónimas del continente”, que publicado na edição número 16 da Revista Iberoamericana de Filosofía, Política, Humanidades y Relaciones Internacionales, em 2006, existe uma ampla variedade de temas nesses folhetos. Autores clássicos, como Leandro Gomes de Barros (1865 – 1918), escreveram tanto poemas como “História da donzela Teodora”, que é baseada no conto de “As mil e uma noites” (compilação medieval de contos tradicionais do Oriente Próximo), quanto “História de Roberto do diabo”, que fala da realidade brasileira através da história de um bandido.
No entanto, este gênero não se restringe apenas a fábulas e histórias, podendo também ser muito político, como ocorreu com o suicídio do presidente do Brasil, Getúlio Vargas, em agosto de 1954. Autores como Rodolfo Coelho Cavalcante (conhecido poeta brasileiro, que nasceu em 1919 e faleceu em 1987) publicaram nesse mesmo ano “A morte do grande presidente Getúlio Vargas”, que pode ser encontrado na Cordoteca, uma biblioteca on-line que reúne muitos poemas de cordel. Atualmente, também são escritos poemas sobre políticos contemporâneos, como é o caso do poema “Na Disney não vão entrar”, da autora urbana Virgulina de Campina, publicado no Facebook em 2017.
Embora a literatura de cordel possa parecer um gênero dominado por homens, muitas autoras também cultivaram essa forma literária. Jarid Arraes, por exemplo, é uma poeta, escritora e cordelista nascida em 1991, principalmente conhecida por sua obra “Heroínas negras brasileiras em 15 cordéis”. Ela chegou a ser finalista dos prêmios Jabuti, um dos certames mais importantes da literatura do Brasil.
Como todos os gêneros literários, a literatura de cordel também teve que se adaptar aos tempos modernos. Ela se reinventou e evoluiu para entrar no mundo digital. Agora, os cordéis podem ser encontrados em blogs, contas de Instagram e outros sites, alcançando audiências globais com um clique. Dessa forma, a literatura de cordel se entrelaça com a tecnologia moderna, sendo uma espécie de ponte entre o passado e o futuro, com a nostalgia do antigo e a excitação do novo.
E se o tema te interessa, na biblioteca do Centro de Estudos Brasileiros também encontrarás alguns cordéis.
Brasil es mucho más que samba é um programa do Centro de Estudos Brasileiros da Universidade de Salamanca, emitido todas às terças-feiras, às 17h30, em Rádio USAL. Para sugerir uma pauta ou contatar com a equipe do programa, escreva ao masquesamba@usal.es
Este podcast foi produzido por Clara Fuente Díaz e Beatriz González Martínez, estudantes de Graduação de Antropologia da Universidade de Salamanca.