BioBrasil: entrevista o professor Marcus Fernandes

Falamos sobre os manguezais, o ecossistema amazônico melhor preservado, com um especialista no tema.

Continuamos aprofundando em questões amazônicas com o nosso novo convidado, o professor Marcus Fernandes, doutor em Biologia pela York University (Inglaterra), coordenador do Laboratório de Ecologia dos Mangues (LAMA) na Universidade Federal do Pará (UFPA, Brasil) e responsável pelo Programa de Pesquisa Ambiental do projeto Mangues da Amazonia (patrocinado por Petrobrás e pelo Instituto Peabiru).

Quando pensamos na Amazônia, imaginamos grandes florestas tropicais, com cipós caindo de ávores exóticas e frondosas, cheias de macacos, aves coloridas e insetos gigantes. Mas há muito mais. Talvez um dos seus hábitats menos conhecidos sejam os manguezais que, não obstante, ocupam amplas regiões costeiras de vários estados amazônicos. Mas, o que é um mangue?

O mangue

Foto de Jonathan Wilkins: https://commons.wikimedia.org

O professor Fernandes explica que os manguezais são ecossistemas anfíbios, com características aquáticas e terrestres. São bosques formados só por de certos tipos de árvores, poucas espécies bem adaptadas ao entorno e acostumadas a lidar com a salinidade da água, conhecidas como mangues. Essas espécies foram desenvolvendo vários tipos de recursos para sobreviver em um entorno hostil para a maioria das plantas. Entre eles, a viviparidade, algo que habitualmente associamos aos mamíferos. Mas é que as sementes dos mangues germinam antes de se separar da planta mãe. De tal forma que, quando finalmente caem na lama, no mangue, já são pequenas plántulas que se desenvolvem muito rapidamente. São também espécies que adoram o sol e toleram o sal, o que lhes permite crecer próximo das costas, estuários dos rios e marismas de vários tipos, terrenos que se inundam periodicamente. O resultado é um bosque único, com peculiaridades que o convertem em um hábitat realmente atípico e exótico e, como dizíamos, inóspito para muitas espécies, tanto animais como vegetais.

Os manguezais se estendem pelas zonas tropicais e subtropicais do planeta, e mesmo na Ásia existem muitas mais espécies adaptadas a este entorno do que na América. O professor Fernandes comenta que na Amazônia há somente seis espécies diferentes de mangues, que compõem toda a riqueza dos manguezais. Comparando este dado com a enorme diversidade botânica do bosque húmedo, por exemplo, parece quase inacreditável, e demonstra como as plantas estão extremadamente especializadas.

E ocorre o mesmo com a fauna. Há espécies endêmicas, que vivem somente neste hábitat e que são anfíbias, como um determinado tipo de caranguejo, que só vive no mangue e outras adaptadas a sobreviver num entorno que muda muito rapidamente.

O papel dos manguezais amazônicos

Agora que já sabemos o que é um manguezal, a seguinte pergunta tinha a ver com a importância desse ecossistema a Amazônia, que papel desempenham os manguezais amazônicos.

Oprofessor Marcus Fernandes diz que esses biomas prestam vários tipo de serviços, por dizer de alguma forma, tanto do ponto de vista ecológico como social. Em primeiro lugar, menciona os serviços de “regulação ambiental”, ou seja, os que permitem que o ecossistema tenha êxito e triunfe, como é o caso do armazenamento de carbono. Depois estão os “serviços de suporte”, que são aqueles vinculados ao ciclo de nutrientes, por exemplo, e com a formação do sal e dos solos arenosos. Finalmente, temos os chamados “serviços de provisão”, que são os mais evidentes e que nos permitem usar os mangues para abastecer-nos de água, combustível, energia e alimento.

Neste ponto, Marcus Fernandes menciona um serviço, uma utilidade desse ecossistema que passou desapercebida, que é a sua importância cultural e até religiosa. Assim, culturalmente, destaca a relevância do mangue para o turismo ecológico, que é uma forma de garantir um desenvolvimento sustentável para as populações costeiras. E também fala da importância espiritual, pois o mangue é o berço de muitas lendas da região e o suporte de uma religião sincrética, que mistura diferentes tradições – africanas, indígenas e europeas. Marcus Fernandes exemplifica com Nanã, um orixá original da tradição yorubá, cujo nome significa “grande mãe” ou “avó”, e que está sincretizada com Santa Ana. É a divinidade da garoa, do pântano e uma mediadora entre a vida e a morte, considerada a dona do mangue, que é como lhe cultuam. Marcus Fernandes também fala do Atíde, protetor do mangue, uma espécie de monstro peludo e grande, cuja presença se estende pela costa do nordeste do Pará.

O mangue amazônico está em perigo?

Como vimos, os mangues são essenciais para garantir a sobrevivência de ecossistemas dos quais muitas pessoas e animais dependem. Por isso, perguntamos ao professor Marcus Fernandes pelas principais ameaças que os manguezais amazônicos enfrentam atualmente. Sobre esse tema, o entrevistado destaca que a crescente expansão urbana e seus efeitos significam um perigo para esse ecossistema, assim como a construção de estradas e, especialmente, de estradas de terra sem asfaltar. Isso pode causar um estranhamento, já que como uma estrada não asfaltada poderia ser pior que uma asfaltada? A resposta é simples: as estradas de terra aproximam mais as pessoas ao mangue. Para começar, esta rede viária é muito mais extensa e conta com mais ramificações, além de que se extendem com facilidade e rapidez. Por outro lado, um estudo demonstrou que 90% dessas vias não pavimentadas chegavam a menos de 3 quilômetros do mangue, enquanto que as estradas tradicionais passavam a pelo menos 20 quilômetros.

Outras ameaças como a carcinicultura, que consiste na técnica de criação de camarões e outros mariscos em viveiros para consumo humano, vem causando estragos no nordeste de Brasil, principalmente em Natal. Por outro lado, o desmatamento para a obtenção de carvão vegetal quase não afeta os mangues da região amazônica. De fato, o Prof. Marcus Fernandes comenta que os mangues amazônicos são uma das regiões melhor preservadas de toda a zona e cita um estudo realizado em 2019, na maior zona contínua de mangues do mundo que se estende da baía de Marajó até a baía de São José, entre os estados do Pará e Maranhão, que engloba 7.200 quilômetros quadrados. A pesquisa realizada ao longo dos últimos 35 anos demonstra que a perda de território de manguezais na costa brasileira foi de apenas 2%, um valor quase anedótico1.

Não obstante, isso não significa que não existam problemas de conservação deste ecossistema, mas sim que esses problemas estão ainda começando. Por isso, Marcus Fernandes afirma que a estratégia a ser seguida não é remediar o que já se perdeu, mas prevenir danos mais graves no futuro.

Agradecemos ao professor Marcus Fernandes a oportunidade da entrevista. Ainda sobre esse tema, no dia 2 de fevereiro, João Meirelles, diretor do Instituto Peabiru, entrevistou o professor Marcus Fernandes no ciclo de Voces amazónicas. Confira!

  1. Nota: No podcast o professor Fernandes fala que a perda de território de manguezais na costa brasileira foi de 2 quilômetros quadrados e não de 2%.

Para saber mais sobre os manguezais amazônicos

Trabalhos do Dr. Fernandes, no seu Laboratório da UFPA:

https://lama.ufpa.br/livros.php

“Projeto mobiliza crianças e jovens para a conservação dos manguezais amazônicos”, em cultura.uol.com.br:

amazônicos://cultura.uol.com.br/noticias/45705_projeto-mobiliza-criancas-e-jovens-para-a-conservacao-dos-manguezais-amazonicos.html

“Conservação dos manguezais da Amazônia une cientistas e comunidade local”, em revistagalileu.globo.com:

https://revistagalileu.globo.com/Ciencia/Meio-Ambiente/noticia/2021/05/conservacao-dos-manguezais-da-amazonia-une-cientistas-e-comunidade-local.html

“Mangues da Amazônia” promove educação ambiental e recuperação de áreas na maior faixa de manguezal contínuo do mundo, no Instituto Peabiru (Belém, Brasil): https://peabiru.org.br/2021/03/04/mangues-da-amazonia-promove-educacao-ambiental-e-recuperacao-de-areas-na-maior-faixa-de-manguezal-continuo-do-mundo/

Artigo de Elena Almeida de Carvalho e Mário Augusto Gonçalves Jardim sobre a estrutura floral nos mangues paraenses publicado na revista Ciência Florestal 27 (3) • Jul-Sep 2017: https://periodicos.ufsm.br/cienciaflorestal/article/view/28641

Artigo de Patrícia Ferreira Tavares e Clemente Coelho Junior sobre as perdas sofridas pelos mangues, publicado no IV Congresso Brasileiro de Gestão Ambiental, Salvador – BA (2013): https://www.ibeas.org.br/congresso/Trabalhos2013/VI-025.pdf

O carbono azul nos mangues amazônicos: https://www.researchgate.net/publication/338536317_CARBONO_AZUL_NOS_MANGUEZAIS_AMAZONICOS_CONSERVACAO_E_VALORACAO_ECONOMICA

Atlas dos mangues do Brasil: https://www.icmbio.gov.br/portal/images/stories/manguezais/atlas_dos_manguezais_do_brasil.pdf

Portal Amazônia: https://portalamazonia.com/amazonia/conheca-os-manguezais-da-amazonia-o-maior-cinturao-de-manguezais-do-mundo

Lendas e creenças populares sobre os mangues: https://www.crusta.com.br/biblio/04.Cap%C3%ADtulos/24-educacao_ambiental_manguezais_cap05_lendas_misticismo.pdf

Música no programa

Geraldo Vandré – Pra não dizer que não falei das Flores
Arraial do Pavulagem – Guardião da Mata

Compartir

Relacionado:

Conversamos com Augusto da Silva sobre o projeto arqueológico “Amazônia Revelada”
No Brasil, em 13 de Abril se comemora o Dia Nacional da Mulher Sambista. Confira aqui um poco da vida e obra de 5
Conversamos com a diretora da Bienal Iberoamericana de Diseño sobre design circular, artesanato e, especialmente, sobre a contribuição brasileira neste campo.
Podcast com a entrevista a Iván Pérez Miranda sobre o Portal de Revistas de EUSAL.
Anterior
Próximo