BioBrasil: entrevista Ane Eslava

Ane Eslava, da editora Txalaparta, fala conosco sobre a recente publicação da obra de Djamila Ribeiro "Fue tu magia la me que me trajo hasta aquí".

Neste podcast de BMQS, conversamos com Ane Eslava, da editora basca Txalaparta, com motivo do recente lançamento de uma bela edição do livro de Djamila Ribeiro, Fue tu magia la me que me trajo hasta aquí.

Além de professora do Departamento de Jornalismo da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP, Brasil), Djamila Ribeiro é colunista em diversos meios de comunicação, entre os quais se destacam o jornal Folha de S. Paulo e a revista Elle. Em 2016, atuou como Secretária Adjunta de Direitos Humanos na cidade de São Paulo e sua figura é considerada fundamental no atual movimento negro no Brasil e na América Latina. Por isso, é impressionante que uma editora como a Txalaparta nos traga agora este trabalho de Djamila, inspirado nas memórias de sua infância, no qual fala sobre racismo e feminismo, claro, mas também sobre maternidade, amor e a importância da ancestralidade.

Por que Djamila Ribeiro?

Nossa primeira pergunta não poderia ser outra: por que a Txalaparta escolheu este livro em particular para divulgar o trabalho de Djamila Ribeiro?

Ane Eslava nos conta que, há dois anos, publicaram outro livro de uma autora brasileira, também afrodescendente, que foi uma grande descoberta para eles: Carolina Maria de Jesus. A partir dela, começaram a conhecer outras autoras cujas obras estão sendo revalorizadas e reconhecidas no Brasil, como é o caso da própria Djamila.

Havia algumas obras de Djamila Ribeiro publicadas na Espanha, mas não esta em particular. A editora argentina Mandacaru, especializada em traduções do português para o espanhol de obras escritas por mulheres do Brasil, Portugal e África, já havia lançado este livro em espanhol em 2023, com o título Cartas para minha avó, que é o nome original da obra.

Na Txalaparta, eles leram avidamente e acharam muito interessante, pois condensava a maioria das contribuições teóricas que Djamila Ribeiro faz em seus ensaios, mas por meio de vivências e memórias pessoais, às vezes muito íntimas. Decidiram, então, publicá-lo e, para isso, partiram da tradução da Mandacaru, realizada por Lucía Tennina e Luciana De Mello.

Segundo Ane:

Para a gente, parecia muito importante utilizar essa tradução que já estava feita porque elas [as tradutoras] levaram o texto de Ribeiro do português para o espanhol com uma perspectiva feminista negra muito consciente, o que nos pareceu interessante. Então utilizamos esse texto, mas, em coordenação com as tradutoras, o adaptamos ao espanhol peninsular.

Em seguida, perguntamos à nossa entrevistada sobre o curioso e poético título do livro, que difere da versão original:  Fue tu magia la me que me trajo hasta aquí. Ela nos conta que, embora o formato da obra seja epistolar, ou seja, seja composto literalmente de cartas que Djamila escreve para sua avó Antonia, não lhes pareceu que esse fosse o elemento mais representativo do livro.

Ao explorar a própria prosa da obra, encontraram essa frase: Foi tua magia que me trouxe até aqui,

que nos pareceu condensar muito bem o conteúdo do livro e, além disso, era bonita e chamativa. Por isso decidimos alterá-lo.

Para encerrar esta primeira parte da entrevista, perguntamos a Ane Eslava como a obra de Djamila Ribeiro se encaixa na política editorial da Txalaparta. Ela nos conta que a Txalaparta publica livros de temáticas muito diversas, tanto de ficção quanto de não ficção, mas que

tragam algo relevante do ponto de vista social e político, sempre de maneira bastante ampla. Também buscamos oferecer vozes, corpos e perspectivas diversas.

Entre os temas abordados estão o feminismo e o antirracismo. Por isso, Ane acredita que este livro pode contribuir muito para seus leitores e leitoras, pessoas que talvez não tenham vivido as experiências da autora em sua própria pele, mas que desejam incorporar à perspectiva feminista uma visão interseccional. Além disso, é um livro que aborda todos esses temas “de maneira muito bela, com uma leitura agradável”.

Outros autores brasileiros em Txalaparta

Na Txalaparta, podemos encontrar obras de outros autores brasileiros, então, na próxima parte da entrevista, pedimos a Ane um panorama do que nos aguarda no catálogo da editora.

Ela confessa que há menos obras de escritores brasileiros do que gostaria e destaca, entre outros títulos, El ejército de un hombre solo, de Moacyr Scliar, El día de Angelo, de Frei Betto,  Cuarto de desechos y otras obras, de Carolina Maria de Jesus, e, em euskera (acredite!), Buda zoriontsuen etxea [A Casa dos Budas Felizes], de João Ubaldo Ribeiro.

Dentro da categoria de ensaios, podemos encontrar um volume sobre o MST, Rebeldes sin tierra, de Carlos Aznárez e Javier Arjona, além da obra de Ruth Werner sobre a mítica Olga Benario, companheira do revolucionário Luís Carlos Prestes, que morreu em um campo de concentração nazista durante a Segunda Guerra Mundial.

Para encerrar a entrevista, pedimos a Ane Eslava que nos desse mais detalhes sobre o livro de Carolina Maria de Jesus,  Cuarto de desechos y otras obras, também recém-lançado. Esse texto, escrito em uma linguagem simples e coloquial, permitiu que sua autora saísse da favela e da pobreza e a tornou mundialmente conhecida, sendo traduzido para mais de treze idiomas. A Txalaparta o publicou em espanhol, junto com outros trabalhos, por isso o volume traz o subtítulo “e outras obras”.

Ane diz que

ao conhecer a história de Carolina Maria de Jesus, "me pareceu algo bastante marcante e muito triste que, apesar do que se poderia pensar, sua carreira terminou depois de Quarto de Despejo, porque seus trabalhos seguintes não tiveram o mesmo sucesso. A sociedade ainda a via como uma mulher da favela e não lhe permitia escrever a partir de outra posição que não fosse essa.

Embora, no Brasil, a figura de Carolina Maria de Jesus seja muito conhecida, a editora considerou interessante apresentá-la ao público espanhol e contribuir para a reivindicação do lugar que ela merece.

A txalaparta é um popular instrumento de percussão basco, utilizado como meio de comunicação, entretenimento e expressão comunitária. Desde 1987, Txalaparta também é o nome de uma editora basca livre e independente.

A Txalaparta publica literatura basca e universal, ensaios políticos e históricos, crítica social, clássicos da esquerda política… Seu catálogo conta com mais de 1.000 títulos, que podem ser consultados em seu site: www.txalaparta.eus/editorial.

Dê uma olhada!

Música no programa

BioBrasil é uma coluna do programa Brasil es mucho más que samba dedicada a divulgar a biografia de expertos, profissionais e personagens (históricos e atuais) da vida cultural, política e social brasileira. Brasil es mucho más que samba se emite todas às terças-feiras, às 17h30, em Rádio USAL. Para sugerir uma pauta ou contatar com a equipe do programa, escreva ao masquesamba@usal.es

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