No último mês de dezembro, foi realizada a IV edição do Congresso Internacional de Literatura Brasileira do CEB. O evento reuniu mais de uma centena de pesquisadores e professores de diversas universidades, tanto espanholas quanto brasileiras, entre os quais estava Iaranda Barbosa. Doutora em Teoria da Literatura pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE, Brasil), Iaranda é professora, escritora e crítica literária.
Durante o congresso, apresentou seu livro mais recente, Ponto de Luz (Miranda, 2024), que generosamente doou à biblioteca do CEB, juntamente com outra de suas obras: a antologia de contos fantásticos Palavras de Silêncio (Miranda, 2022), considerada pela FLIPO (Festa Literária de Ipojuca) o melhor livro de contos de 2022.
Neste podcast do BMQS, mergulhamos em um mundo que transita entre o possível e o impossível e, sobretudo, entre a ordem e o caos: o universo de Iaranda Barbosa.
Conhecendo Iaranda Barbosa

Iniciamos a entrevista perguntando a Iaranda Barbosa o que a levou a se tornar escritora. Ela nos confessa que sua primeira referência foi sua irmã mais velha, que sempre via colada a um livro. Observava-a chorar e rir enquanto virava as páginas, e ficou fascinada pelo poder da palavra escrita, capaz de emocionar até o extremo.
Desde então, os livros fazem parte de sua história. De fato, lembra-se perfeitamente do primeiro livro que leu: Marcelo, Marmelo, Martelo, de Ruth Rocha, cujo protagonista questiona o que se conhece como a “arbitrariedade do signo”, ou seja, por que as coisas se chamam de uma forma e não de outra.
No entanto, sua vocação de escritora é bastante recente. Começou em 2020, com a pandemia. A inquietação e a dor daqueles dias a levaram a buscar uma válvula de escape que encontrou na escrita de ficção.
Seu primeiro trabalho foi um romance histórico intitulado Salomé (Miranda, 2020) e, desde então, não parou de escrever.
Entre suas fontes de inspiração destacam-se, claro, Ruth Rocha, Lygia Fagundes Telles, Machado de Assis, Lima Barreto… e, além dos clássicos, a escritora moçambicana Paulina Chiziane e a poetisa Conceição Rodrigues. Afirma que, para ela, é importante ler tanto autores consagrados quanto ilustres desconhecidos, pois, no final, o que inspira a escrever é “a vida e o ato de nos perguntarmos sempre o porquê”.
Para encerrar esta primeira parte da entrevista, revela que o tema da violência permeia todos os seus romances e contos, pois considera algo terrível e, infelizmente, muito presente em nossas vidas. E não apenas
a violência física, entre duas ou mais pessoas, mas muitas vezes também uma violência que nós mesmos provocamos contra nós mesmos (...) às vezes, dizemos a nós mesmos coisas muito duras e acho que isso também é um tema para refletir, não é? Pensar sobre nós mesmos a partir de um personagem de ficção, mas que está muito próximo de mim (...) e que me faz... mergulhar dentro da minha alma.
Iaranda Barbosa
Palavras de silêncio


A segunda parte da entrevista foca em sua antologia de contos breves, Palavras de Silêncio (Miranda, 2022).
A obra surgiu durante a pandemia, quando o confinamento nos impedia de fazer coisas tão simples como beijar ou abraçar, pois uma demonstração de afeto poderia ser fatal. O caráter extraordinário da situação a levou a pensar que a realidade era absurda e que havia coisas que, mesmo acontecendo diante dos nossos olhos, eram inexplicáveis.
Embora a literatura fantástica já fizesse parte de sua vida — sua tese de doutorado é dedicada à poesia fantástica latino-americana e a de mestrado, a Silvina Ocampo e seus contos fantásticos —, Iaranda confessa que começou a escrever Palavras de Silêncio sem nenhuma pretensão de focá-la nesse gênero.
No entanto, um ano depois, em uma oficina literária, o professor chamou sua atenção para o fato de que todos os seus contos compartilhavam algum traço sobrenatural. Foi então que percebeu esse detalhe e começou a selecionar os textos que, mais tarde, dariam forma ao livro.
Inicialmente, eram apenas 15 contos, mas sua editora sugeriu adicionar pelo menos mais cinco para dar mais “robustez” à obra. Foi aí que incorporou, por exemplo, o conto intitulado “A Passageira”, e outros textos, totalizando 22, nos quais explora tanto a técnica quanto a inclusão de mitos e lendas pernambucanas. Ela afirma:
Igual que é importante dizer que o Brasil é muito mais do que samba, é importante dizer que o Nordeste é muito mais do que sequia e muito mais do que carnaval.
Iaranda Barbosa
Quando perguntada se tem algum “filho predileto”, sustenta que gosta de todos e que não consegue escolher um conto em particular. Embora confesse que tem uma relação especial com alguns, como “O Gigante”, que fala bastante sobre Recife e suas lendas, além de incluir um toque irreverente que considera muito interessante.
Protagonismo feminino e periférico
As protagonistas indiscutíveis de Palavras de Silêncio são mulheres e, mais especificamente, mulheres periféricas. Na entrevista, Iaranda nos conta que, geralmente, o gênero fantástico apresenta uma ambientação burguesa ou aristocrática e que sentia falta de textos que trouxessem localizações e protagonistas mais periféricos, nos quais sua presença não se limitasse a ser uma mera forma de denúncia social. Seu objetivo era que o leitor pudesse descobrir que é possível uma literatura sem preconceitos.
Assim, as protagonistas de seus contos são:
Mulheres muito fortes, mulheres que têm consciência do seu poder e, a partir dessa consciência, sabem como lidar com as situações, como superar as dificuldades.
Iaranda Barbosa
Em suma, são mulheres empoderadas que não precisam ser salvas por nenhum homem e que, além disso, vêm das margens da sociedade, sem que isso seja um fator determinante da história.
Para finalizar, falamos sobre seus finais, que sempre surpreendem e deixam o leitor boquiaberto, justamente por saírem do desenvolvimento habitual, tornando-se inesperados. Iaranda afirma que, na verdade, ela apenas coloca no papel o que acontece frequentemente na vida real: que, quando achamos que tudo caminha em uma direção, as circunstâncias se encarregam de virar o jogo. E, citando o filme A Forma da Água: “O que dificulta nossos planos é a vida.”
Música no programa
A sugestão musical da nossa protagonista não poderia ser outra senão a canção de Chico Science, da Nação Zumbi, “Banditismo por uma questão de classe”. A música do movimento Manguebeat, surgido em Recife no início dos anos 1990, serve de inspiração para seus contos, pois mistura lendas e crítica social em suas letras. Além disso, suas composições combinam maracatu, rock, forró, samba… diversos estilos e instrumentos que conferem um tom poético ao conjunto. Aproveitem!
BioBrasil é uma coluna do programa Brasil es mucho más que samba dedicada a divulgar a biografia de expertos, profissionais e personagens (históricos e atuais) da vida cultural, política e social brasileira. Brasil es mucho más que samba se emite todas às terças-feiras, às 17h30, em Rádio USAL. Para sugerir uma pauta ou contatar com a equipe do programa, escreva ao masquesamba@usal.es