Nesta emissão de BMQS entrevistamos a escritora Jana P. Bianchi, de quem falamos brevemente no programa dedicado a quatro destacadas autoras brasileiras de suspense e horror. Se você perdeu a emissão, confere o podcast aqui.

Curiosa, polifacética e irreverente Jana Bianchi sabe como reinventar o terror mais clássico e com ela entramos na noite paulista onde nos esperam personagens estranhos e surpresas ainda mais estranhas. Um conselho para quem (ainda) não acredita em lobisomem: nunca é demais ter uma bala de prata na recâmara…

Da engenharia à literatura

Logo no início da entrevista, Jana P. Bianchi confessa que se sente uma espécie de “patinho feio” do mundo das letras, porque a sua formação é em engenharia de alimentos, indústria na qual trabalhou durante seis anos, numa grande multinacional. Mesmo que sempre gostou das letras, só no final dos estudos universitários, em 2013, se propos escrever de forma profissional. Participou de alguns cursos de escritura criativa e pesquisou um pouco sobre o tema, mas sem a preocupação de publicar. Isso veio mais tarde. Numa ocasião, encontrou um podcast dedicado a Eric Novello, e ficou impressionada. Depois de se familiarizar com o trabalho do autor de Ninguém nasce herói, disse a si mesma: “Isso é o que eu quero fazer. Fantasia urbana numa cidade que conhecço bem, como São Paulo”. E assim foi. Se você quer conhecer algo sobre o seu trabalho, atento às recomendações de Jana:

Em primeiro lugar, Lobo de rua (Dame Blanche, 2016) é um livro que apesar de ter sido escrito há 10 anos, continua oferecendo um bom reflexo de si mesma. Tampouco perca de ler o conto “O destino não é um endereço”, lançado na Suprassuma (2021), uma história de fantasia urbana que está disponível de forma gratuita no portal da revista. Para terminar, e para quem lê em inglês, Jana recomenda sua última publicação, o conto “… Your little light”, publicado no Clarkesworld, Science Fiction and Fantasy Magazine este ano, uma história de ficção científica bem sombria, na qual reflete sobre a maternidade forçada.

Mergulhando no processo criativo

Jana P. Bianchi se define como uma escritora-cozinheira. Tudo começa com uma ideia que vai sendo cozida a fogo lento em sua cabeça até ser servida. Claro que, às vezes, pensa com mais detalhes em algum ponto da história, prepara esquemas, e até escreve roteiro, como um bom escritor-arquiteto! Mas, ela precisa deixar trabalhar o subconsciente, de forma que, quando se senta para escrever, transborda. O gênero no qual se sente mais confortável é a ficção especulativa. Já escreveu ficção científica e fantasia, além de terror e suspense. Algumas vezes, sua obra transita entre vários gêneros, jogando com a fantasia sombria ou o realismo mágico, sempre com algum elemento fantástico ou sobrenatural como fundo da história.

Jana P. Bianchi se inspira no dia a dia, nas pessoas que conhece, nos conflitos cotidianos… e, claro, em toda a produção frikcultural que consome diariamente. Entre os autores que destaca, além de Eric Novello, encontramos Terry Pratchett, os dinossauros de Michael Cripton, Neil Gaiman e a americana Octavia Butler, sem deixar de lado as escritoras brasileiras contemporâneas Fernanda Castro e Lis Vilas Boas.

Lobo de rua, um giro sobre o mito do lobisomem.

O primeiro romance de Jana P. Bianchi se intitula Lobo de rua (Dame Blanche, 2016) e conta a história de Raul, um sem-teto que uma noite descobre que sofre da maldição do lobisomem. Mas, como surgiu essa ideia? É possível apresentar um tema clássico e maneira original? Jana conta na entrevista que sempre gostou de histórias de lobisomem, um de seus personagens preferidos e que, inclusive, conta com uma mitologia familiar sobre o tema, com histórias contadas pelo avô sobre encontros misteriosos em plena noite. Por isso, sempre quis escrever sobre ele e dar-lhe um toque brasileiro. Foi assim que surgiu a história de Raul, um lobisomem que não sabe o que significa sê-lo, porque não teve acesso à cultura geral que fez dessa criatura um clássico do terror e que, portanto, não sabe o que lhe está acontecendo. Raul cresceu nas ruas, nunca foi ao colégio, e agora adulto está só e apartado da sociedade. Com Lobo de rua, Jana Bianchi aborda o tema da violência urbana, uma lamentável situação que ainda assola o país, e que ela considera fruto, não da maldade das pessoas, mas de um sistema cruel, que deixa a muitas pessoas sem alternativas e abonadas à própria sorte. Esse é o caso do protagonista, um homem que de repente se transforma num monstro sanguinário, que faz coisas terríveis, mas que não pode evitá-las. Uma metáfora da própria sociedade na qual vivimos, uma reflexão sobre se temos ou não alternativa às coisas que fazemos, sobre se seríamos capazes de reprimir a violência que habita dentro de nós ou se, sob certas circunstâncias, todos nos transformaríamos num besta.

Mafagafo e outros projetos

Jana P. Bianchi também é editora. É responsável pela revista Mafagafo, dedicada a histórias de ficção científica e fantasia de autores de língua portuguesa. Jana fundou a revista com a ajuda de muitas pessoas, entre elas, Diogo Ramos, editor da revista A taverna e seu companheiro no projeto Fantásticoguia.

Para ela, a revista Mafagafo foi uma grande experiência, uma forma de permitir que muitos jovens escritores e escritoras divulgassem seus trabalhos. A meiados de 2023, a revista chegou a um ponto de inflexão, um ponto e parágrafo, por falta de tempo e sobretudo de dinheiro. Antes ativar o modo stand by, foi lançada uma edição especial, publicada com a A taverna, com o título “Visiones positivas de la democracia”. Esse número estava financiado por uma ONG americana chamada National Democratic Institut, e graças a isso, pela primeira vez, foi possível pagar um preço justo aos trabalhos dos autores.

Enquanto espera melhores tempos para retomar a revista, Jana está focada na Fantásticoguia, um grupo que fala de escritura criativa e de mercado editorial, que além disso, oferece cursos e Workshops para todos os bolsos.

Para saber mais (e música do programa)

Canal de podcast “Curta ficção”: http://curtaficcao.blubrry.com/

Site de Eric Novello: https://ericnovello.com