Entrevista com Ana Venancio (parte I)

Nesta nova entrega de BMQS, uma entrevista sobre a história da psiquiatria e suas abordagens a partir das Ciências Sociais.

Esta entrega de BMQS inaugura uma nova colaboração com a Casa de Oswaldo Cruz  (COC, Fiocruz, Brasil) em divulgação científica, com entrevistas a pesquisadores e pesquisadoras da instituição.

Nesta primeira emissão, falamos com Ana Venancio, que atualmente realiza pesquisas de pós-doutorado como pesquisadora bolsista pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior  (CAPES, Brasil), através do programa de mobilidade, sob a supervisão do pesquisador do Consejo Superior de Investigaciones Científicas (CSIC, Espanha), Dr. Rafael Huertas, no Instituto de Historia del Centro de Ciencias Humanas y Sociales  do CSIC. Nesta primeira emissão, conheceremos a trajetória profissional de Ana Venancio e suas pesquisas na área da história da psiquiatria, boa parte construída em diálogo com pesquisadores e pesquisadoras da Red Iberoamericana de Historia de la Psiquiatría.

Ana Teresa Acatauassú Venancio se formou em Ciências sociais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro  (PUC-RJ), e é mestre e doutora em Antropologia pelo Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ, Brasil). Em 2003, começou a trabalhar como pesquisadora na Casa de Oswaldo Cruz, e desde 2006, atua como professora e pesquisadora do Departamento de História das Ciências e da Saúde, e do programa de pós-graduação em História das Ciências e da Saúde.

Na graduação, o tema da saúde mental já havia despertado o seu interesse. Era o ano de 1985, e o Brasil começava a engatinhar como democracia depois dos imperdoáveis anos de Ditadura. Era também um momento de mobilizações sociais de todo tipo, que buscavam transformações profundas na sociedade da época. E nesse contexto, surgiu o Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental (MTSM), com o lema “Por una sociedade sem manicômios”. A finais da década de 1980, Ana Venancio ingressou no mestrado, e a pesquisa que desenvolveu oferecia a análise de uma experiência da desinstitucionalização da psiquiatria, ocorrida no contexto da reforma psiquiátrica brasileira, ou seja, no movimento de reinserção social dos doentes mentais e pelo fim dos manicômios e do tratamento desumano dado a eles.

Ana Venancio viveu esses anos, além do mestrado, trabalhando em projetos relacionados com a preservação da memória, com documentação arquivística, o que a levou a se aproximar da disciplina histórica. Por outro lado, na nessa mesma época, Ana Venancio também teve uma atuação profissional mais ativista, por exemplo, na ONG Instituto Franco Basaglia, onde se dedicava à formação em saúde mental e, inclusive, atuando em apoio à reforma psiquiátrica no Brasil, e na campanha para a aprovação da Lei 10.216, que foi aprovada no país somente em 2001.

Depois de três anos trabalhando no âmbito da saúde mental, e com a experiência acumulada na área da psiquiatria, em 1994, Ana Venancio começou o doutorado em Antropologia Social, no Museu Nacional da UFRJ. A pesquisa, intitulada “O eu dividido moderno: uma análise antropológica da categoria esquizofrenia”, tinha como objetivo analisar como se deu a criação do diagnóstico de esquizofrenia a partir de início do século XX, com especial atenção sobre a relação entre o diagnóstico e o imaginário sobre o sujeito moderno.

Essa trajetória de pesquisa e trabalho sobre os temas de psiquiatria, história da psiquiatria ou da saúde mental trouxeram Ana Venancio a Madri, ao Instituto de História do CSIC, onde atualmente desenvolve uma pesquisa para reunir fontes e bibliografia relacionada com o diagnóstico da esquizofrenia na psiquiatria espanhola entre os anos de 1910 e 1936, até a eclosão da Guerra Civil, com a supervisão do Dr. Rafael Huertas. Entre os objetivos da pesquisa está a digitalização de artigos de revistas de Medicina espanholas da época, além de analisar a recepção do diagnóstico de esquizofrenia em perspectiva comparada entre o Brasil e a Espanha.

A pesquisa está sendo feita em revistas médicas e psiquiátricas da década de 1910, quando a categoria de esquizofrenia apareceu até 1936, quando começou a Guerra Civil espanhola, e muitos periódicos médicos, isso é, a circulação do conhecimento científico, sofreu um forte abalo. Então, eu estou fazendo esse levantamento para identificar e digitalizar os artigos científicos que tratavam do tema da esquizofrenia e da demência precoce.

Cabe destacar que a pesquisa dialoga com outros trabalhos desenvolvidos no âmbito da Red Iberoamericana de Historia de la Psiquiatría. Na entrevista, Ana Venancio ressalta a importância do diálogo com os demais pesquisadores da Red Iberoamericana de Historia de la Psiquiatría no desenvolvimento de suas pesquisas mais recentes. La Red foi criada em 2008, por iniciativa do pesquisador Rafael Huertas, e desde então organiza congressos bianuais e publica uma série de estudos comparados, interdisciplinares e regionais sobre diferentes temas relacionados com a psiquiatria.

Esse modelo de troca intelectual da rede tem sido muito comum, porque produz um diálogo mais orgânico e livre entre as pessoas, dispensando as formalizações institucionais que, inicialmente, num primeiro momento, muitas vezes, são mais lentas para acontecerem. A existência das redes, inclusive, ajuda na própria formalização posterior de termos de cooperação e convênio entre instituições de países diferentes. A existência da Red Iberoamericana de Historia de la Psiquiatría tem facilitado a troca de bibliografia, o desenvolvimento de projetos internacionais de pesquisa coletivos e também a organização de produtos, como colóquios e livros, coletâneas.

Algumas obras citadas na entrevista:

Saiba mais:

Russo, J., & Venancio, A. T. A. (2006). Classificando as pessoas e suas perturbações: a revolução terminológica do DSM III. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, 9(3), 460-483.

E um pouco de música…

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