BioBrasil: Terror em feminino

Quatro escritoras brasileiras de suspense capaz de provocar escalafrios nos leitores mais valentes.

Outubro é o mês do terror. Uma época em que as sombras são mais espessas e a separação entre o mundo dos vivos e o mundo dos mortos se torna permeável e nos permite avistar coisas que, normalmente, permanecem ocultas.  

Por isso, esta edição outonal de BioBrasil está dedicada a quatro autoras brasileiras de terror, que não deixarão a ninguém indiferentes. De épocas e origens muito diferentes, as nossas protagonistas são especialistas em provocar escalafrios e em despertar em seus leitores essa vaga sensação de inquietação, que faz desejar dormir com a luz acesa. Preparados para entrar no lado escuro?

Júlia Lopes de Almeida: a grande pioneira do suspense brasileiro

Júlia Lopes de Almeida nasceu no Rio de Janeiro, em 24 de setembro de 1862, numa rica família de imigrantes portugueses. Ainda na infância, se mudou para Campinas, em São Paulo, onde publicou seus primeiros textos na Gazeta de Campinas, ainda que na época a literatura não era considerada uma atividade adequada para as mulheres. Em uma entrevista concedida ao cronista João do Rio muito tempo depois (entre 1905 e 1906), a escritora confessou que adorava escrever poesia, mas que tinha que ser escondida. Em 1886, se mudou para Lisboa, e ali começou a carreira como escritora, publicando com a irmã Adelina, a obra Contos infantis (1887). Um ano depois, se casou com o poeta Filinto de Almeida, na época diretor da revista A semana ilustrada, do Rio de Janeiro. Júlia Lopes de Almeida começou a colabrar sistematicamente com a revista, ao mesmo tempo em que escrevia também para o jornal O País. Já de volta ao Brasil, em 1888, publicou seu primeiro romance, Memórias de Marta, que foi lançado em fascículos como era típico na época.

Júlia Lopes de Almeida foi uma mulher incansável e trabalhadora que, além de escritora, foi dramaturga, jornalista, naturalista… e uma reconhecida defensora dos direitos da mulher e da abolição da escravidão.

Participou das reuniões para a criação da Academia Brasileira de Letras, da qual foi excluída por ser mulher, já que seus fundadores decidiram que na instituição só participariam homens, como na Academia Francesa, que lhes servia de modelo.

A sua prosa está muito influenciada pelo naturalismo de Emile Zola e de Guy de Maupassant, engloba os terrores cotidianos (o que hoje conhecemos como terror psicológico) e os temas sobrenaturais próprios da literatura gótica, como o vampirismo. Como recomendação de uma de suas obras, fica aqui Ânsia eterna, uma coleção de 30 contos, publicada em 1903, com histórias sobre temas diversos, expondo de forma crua o mal latente na natureza humana.

Raizes profundas: o caso de Larissa Brasil

Foto: larissabrasil.com.br

Avanzamos no tempo, e alcançamos um grupo de jovens e talentosas autoras, que escrevem sobre crimes, sangue e aparições inexplicáveis. Sem dúvida, nessa pequena lista não podia faltar Larissa Brasil, que se inspira no folclore brasileiro. Começou a escrever na adolescencia, mas esses primeiros escritos ficaram esquecidos nos velhos cadernos escolares. Retomou a escritura em 2012, como uma ferramenta para enfrentar a depressão. Começou com contos curtos, inspirados na cidade natal da avó, Campo Formoso, na Bahia, e daí surgiu o relato que lhe catapultou à fama: “O conto do coronel fantasma”. A avó contava que em noites sem lua, um cavaleiro passeava pelas ruas  da cidade procurando crianças que estavam acordadas: como um “hombre del saco” em estilo brasileiro. Com esse conto ganhou o Prêmio Aberst de literatura de 2018 na categoria de melhor relato de terror. A partir daí foi escrever e triunfar. O seu primeiro romance, intitulado A garota da casa da colina (Monomito, 2019), venceu também o Aberst na categoria melhor livro de suspense em 2020 e com o romance Tr3s, escrito em colaboração com Larissa Prado, em 2021. Entre terror e thriller, com páginas recheadas de assassinatos em série e poderes antigos que residem em cidades esquecidas, Larissa Brasil merece um lugar de honra neste pequeno ranking de escritoras de horror brasileiras.

E o que ler? Talvez começar com Onde o vento faz a curva, uma antologia de histórias que acontecem no mesmo universo de “O conto do coronel fantasma”.

Da engenharia à literatura: Jana P. Bianchi

Foto: janabianchi.com.br

Seguimos esta entrega com a escritora Jana P. Bianchi, uma ex-engenheira de alimentos formada pela Universidade de Campinas (Unicamp, Brasil) que, em 2017, depois de anos na indústria, decidiu se dedicar completamente a sua paixão: a literatura. Atualmente, passa os dias cercada das coisas que mais ama no mundo – histórias de fantasia, ficção científica, terror e outros aspectos do insólito, em suas mais variadas formas e linguagens. Ela vive no interior do estado de São Paulo com a família, as cadelas, a revista Mafagafo da qual é fundadora e editora chefe desde 2017 e várias tatuagens animadas. Além de escrever, é tradutora e prepara livros, quadrinhos e materiais para jogos de mesa e role-playing, publicados em inglês e em espanhol, por algumas das maiores editorias e produtoras brasileiras.

Com Diogo Ramos, Jana é uma das criadoras e diretoras do Fantástico Guia, uma iniciativa que, além de um concurso de relato relâmpago mensal, oferece cursos sobre escritura criativa, tradução e e mercado editorial em formato on-line.

Jana Bianchi publicou relatos em várias antologias, mas com seu primeiro romance, um olhar urbano e moderno sobre um mito milenar, participa dessa particular lista: Lobo de rua (Dame Blanche, 2020) trata da lenda do lobisomem em um São Paulo tão urbano como sobrenatural, com a história de Raul, um sem teto que descobre que a vida ainda puede ser mais difícil depois de contrair a maldição da licantropia.

Karen Alvares: em conta-gotas

Foto: Facebook

O último nome é Karen Alvares. Versátil, criativa e meticulosa, sua escritura se relaciona com diferentes subgêneros como a fantasia medieval, a dark fantasy, o ciberpunk, as distopias e a literatura LGBT. Em seu site, afirma que

“Escritor, para mim, é alguém para quem a realidade não é suficiente. Claro, para a maioria das pessoas, a ficção é importante, por isso existem livros, filmes, teatro, jogos… Mas o escritor não está satisfeito em viver no mundo real e aceitar passivamente a ficção dos outros, ele quer ser ativo nesse processo. O escritor se abriga na sua ficção, vive parte da sua vida nela”.

karenalvares.com.br

Karen Alvares é paulista, natural da cidade de Santos, e é formada em Programação de Dados, além de ter realizado uma pós-graduação em Gestão de Estratégia na Universidade de Santa Cecilia (Unisanta, Brasil). Mas, como às vezes não dá para ganhar a visa somente com a escritura, ela também trabalha revisando textos e diagramando para a Agência Magh.

Karen participou em antologias terroríficas como Heroínas (Corvus, 2021), uma obra que homenageia diferentes figuras históricas, mulheres que escreveram seus nomes no inconsciente coletivo e que merecem ser redescobertas pelos leitores. Nessa antologia, organizada por Clara Madrigano, participam 10 autoras que re-imaginam a grandes mulheres da História num contexto fantástico, como tributo a sua luta e ao que representam hoje em dia.

Também encontramos trabalhos de Karen na antologia Sintonia mortal (Corvus, 201) e em Histórias (mais ou menos) assustadoras (Magh, 2019), e como recomendação fica aqui Horror em gotas (Amazon, 2016), 31 relatos de terror, um para cada dia do mês, breves, inquietantes e maravilhosos, capazes de atormentar até as almas mais tranquilas.

No final do podcast está disponível uma leitura dramatizada (e sonorizada) de “O celular”, uma dessas pílulas terroríficas que encontramos em Horror em gotas.

Mais informações:

Trevisan, G. S. (2020). A escrita feminista de Júlia Lopes de Almeida [recurso eletrônico]: [https://repositorio.unicamp.br/acervo/detalhe/1128686]

Mendoça, C. T. (2014). Júlia Lopes de Almeida: a busca da liberação feminina pela palavra: [https://revistas.ufpr.br/letras/article/view/2869]

Zinani, C. J. A. & Knapp, C. L. (Orgs.). (2022). Interpretações e Reverberações em Júlia Lopes de Almeida: [https://www.ucs.br/educs/livro/interpretacoes-e-reverberacoes-em-julia-lopes-de-almeida/]

Curta Ficção [http://curtaficcao.blubrry.com/], podcast de Jana Bianchi sobre literatura fantástica e de ficção científica, com entrevistas e comentários sobre o (complexo) mundo editorial.

Música no programa

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