Esta entrega de Brasil con ñ traz uma entrevista com os professores Carlos Benítez Trinidad, professor de História da América da Universidad de Salamanca, e Sebastião Vargas, professor de História da América da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, em estância pós-doutoral na USAL.
A entrevista teve como motivo o lançamento da primeira edição do seminário permanente de Culturas e Povos Indígenas, coordenado pelo Dr. Carlos Benítez, uma atividade vinculada ao CEB, que oferecerá entre os meses de abril e maio uma série de conferências dedicadas a diversos temas relacionados com as comunidades indígenas brasileiras. A proposta do seminário é criar um espaço permanente no CEB para desenvolver atividades acadêmicas relacionadas com os povos e culturas indígenas do Brasil.
A programação do seminário começa com uma conferência que traz no título a referência a Abya Yala, um termo fundamental para compreender – a partir de uma perspectiva epistemológica – a mobilização atual das comunidades indígenas. Para Sebastião Vargas,
Abya Yala é um modo que muitas comunidades, povos e indivíduos sentipensadores indígenas desse território mal chamado América Latina, tentam disputar nessa geopolítica, digamos assim, do conhecimento, que é uma das facetas da epistemologia.
Sebastião Vargas
No fragmento anterior, sentipensadores faz referência a intelectuais, pensadores indígenas que, pela primeira vez, estão se graduando em universidades ocidentais, “e grande parte do esforço teórico deles é com relação à epistemologia, e eu acho que a palavra-chave aí seria descolonização” (Sebastião Vargas).
A reflexão a partir do pensamento decolonial também tem a ver com a crítica ao binômio modernidade-colonialidade que, segundo Sebastião Vargas, está marcado por práticas colonialistas, genocidas, de “trabalho africano escravizado, trabalho indígena”, sem os quais a referida modernidade – atrela da a uma ideia de progresso eurocentrada – não seria possível. E essa concepção única da história (ou História) constitui o ponto fundamental da crítica do pensamento indígena, ou seja,
uma espécie de contra antropologia histórica, contra filosofia, porque é muito crítica nos nossos alicerces, e acho interessantíssimo, interessantíssimo, para qualquer ocidental como eu, como nós três, para aumentar a qualidade do pensamento e a diversidade, é disso que se trata: aproximar-se dos indígenas é aproximar-se de diversidade, de multiplicidade, de perspectivas diferentes, (...), a visão única é um projeto imperial para dizer "só existe essa filosofia", "só existe esta história".
Sebastião Vargas
Na programação do seminário também há uma série de atividades que tratam da violência histórica aos povos indígenas. Carlos Benítez apresentará parte dos resultados de sua pesquisa centrada ao período da Ditadura militar no Brasil, que trata de como
o Estado brasileiro, nessa guerra contra as populações tradicionais, especialmente, contra os povos indígenas, ele acreditava que já tinha ganhado, era como esse triunfo do imaginário conservador nacional e brasileiro, ufano, desenvolvimentista, e de como não foi assim, senão o contrário, foi o começo da derrota desse imaginário, e de como foi subvertido, contestado pelas populações indígenas.
Carlos Benítez
A programação desta primeira edição do seminário fecha com uma mesa redonda, com a participação dos entrevistados, além do pesquisador Hygor Mesquita Faria, que discutirá a violência histórica contra os povos indígenas, mas também as formas de resistência. E ao incluir as vozes de intelectuais indígenas, como o xamã Yanomami Davi Kopenawa, advertem que a violência não é mais contra os povos originários, mas contra toda Mãe Terra, ou nas palavras de Sebastião Vargas:
Então, essa violência não vai ser mais só contra os corpos indígenas, mas contra o corpo indígena ligado a um corpo maior, que seria essa Pacha Mama, essa Terra Viva, essa entidade maior, que a gente chama, que os alguns ocidentais da ecologia profunda chamam Gaia.
Sebastião Vargas
Se você está em Salamanca, confira a programação que está disponível neste link.
Carlos Benítez é licenciado em História pela Universidad de Cádiz, mestre em Estudos Americanos pela Universidad de Sevilla, e doutor em coorientação na Universidade Federal da Bahia e na Universidad Pablo de Olavide, como bolsista do Ministério de Educação e Cultura do Brasil, pesquisador pós-doutoral no Centro de Humanidades da Universidade Nova de Lisboa no grupo História Agraria e Política do Mundo Rural, e no Centro de Pesquisa Interuniversitário de Paisajes Atlánticos Culturales da Universidad de Santiago de Compostela.
Sebastião Vargas é doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP, Brasil). Desde 2009, é professor de História da América na UFRN. Atualmente, desenvolve na USAL a pesquisa “Pensamento indígena e ecologia política: circulação de ideias e perspectivas comparadas entre a América Latina e a Europa”, com financiamento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES, Brasil).
Brasil con ñ é uma coluna dedicada a divulgar pesquisas sobre o Brasil na Espanha do programa Brasil es mucho más que samba, emitido em Rádio USAL, todas às terças-feiras, às 17h30. Para sugerir uma pauta ou contatar com a equipe do programa, escreva ao masquesamba@usal.es