Brasil con “Ñ”: entrevista Luis Deltell

Entrevistamos o catedrático da Universidade Complutense de Madri sobre seu último livro "Latinoamérica filmada" (Fragua, 2024).

Nesta edição de Brasil com “Ñ”, entrevistamos Luis Deltell Escolar, catedrático da Universidade Complutense de Madri, doutor em Comunicação Audiovisual e codiretor do Grupo Complutense de Estudos Cinematográficos (ESCINE).

Luis acaba de publicar, em colaboração com Nadia MacGowan, o livro Latinoamérica filmada, pela editora Fragua. A obra é uma compilação de 14 artigos dedicados ao cinema feito na América Latina, no qual a filmografia brasileira desempenha um papel importante. Com sua ajuda, analisamos alguns dos aspectos mais desconhecidos do mundo cinematográfico brasileiro e descobrimos fatos surpreendentes sobre autores tão destacados como o diretor Fernando Meirelles.

Latinoamérica Filmada: um começo

Começamos a entrevista perguntando a Luis Deltell sobre a origem do livro Latinoamérica filmada e ele nos conta que foi uma iniciativa dele e da coeditora Nadia McGowan, junto com outros pesquisadores do grupo ESCINE, que há anos se interessam em criar vínculos entre o cinema latino-americano e o espanhol. A principal barreira a ser superada, além da famosa crise cinematográfica permanente, é a falta de comercialização, a impossibilidade de ver filmes feitos nesses países, mesmo na era da internet. O livro é um convite, uma tentativa de se aproximar do tema.

A estrutura do livro é peculiar, refletida até mesmo em sua capa, com aquele mapa invertido. Os artigos começam falando sobre o cinema chileno e vão subindo pelo continente até chegar ao México. Perguntamos a Luis Deltell o porquê dessa decisão, e ele revela que, normalmente, na Europa se pensa que a América Latina é uma região homogênea, por isso

começar o livro pelo sul nos coloca em outro contexto, pois os europeus cresceram olhando (...) para o norte (...) e eles queriam "desnortear-se", para perder o norte e, assim, encontrar um novo continente. Ao começar pelo sul, o projeto também mudou, pois, curiosamente, os artigos mais históricos estavam centrados no México. Então, algo muito interessante aconteceu ao começarmos pelo sul: partimos do cinema mais atual e fomos para as origens, ao invés de seguir a estrutura cronológica usual.

Revisando o cinema brasileiro

Na entrevista se concentra, em seguida, no cinema brasileiro, e Luis Deltell comenta que a crise deste cinema é um pouco diferente e que não se deve à falta de produção, mas sim ao fato de, em alguns casos, “haver cinema demais e audiovisual demais”. Até a década de 1950, o cinema brasileiro era autossuficiente e não precisava de outros mercados. A partir dessa época, entra em crise não por perder seu público, mas porque encontra um mercado ainda mais amplo e fiel: a televisão. Ao dedicar tantos capítulos do livro ao cinema brasileiro, os autores queriam destacar sua importância, mas também o fato de que, na produção brasileira, encontramos a maior barreira. Embora seja difícil encontrar filmes da Argentina ou do México, quando suas filmografias atravessam as fronteiras, elas acabam sendo um sucesso. No entanto, isso não acontece com o cinema brasileiro, que só consegue romper a barreira em momentos muito pontuais e com produções muito específicas, como Cidade de Deus ou O Menino e o Mundo. O problema é que a barreira se rompe apenas para esses filmes, e depois volta a se erguer. Luis destaca como uma das principais razões para isso a diferença de idioma. Embora o espanhol e o português sejam línguas semelhantes, não são automaticamente compreensíveis. “Isso fez com que o Brasil seja, por si só, um subcontinente dentro da América Latina”, e que seu cinema seja o mais desconhecido. Como exemplo, ele menciona que, de acordo com um estudo recente, das 100 melhores produções brasileiras de todos os tempos, apenas 15 chegaram oficialmente à Espanha… e nem falamos de toda a produção audiovisual!

O caso excepcional de Fernando Meirelles

Sobre Fernando Meirelles, Luis Deltell nos conta que “ele é mais um artista do que um diretor de cinema”. Meirelles se formou em arquitetura na Universidade de São Paulo (USP, Brasil), durante a ditadura militar. Já naquela época, era um criador, e representa algo “absolutamente único na história do cinema brasileiro e latino-americano… e eu diria quase mundial, porque ele é um autodidata completo”. Por exemplo, seu projeto final de curso não foi um edifício, mas um filme. Ele não frequentou nenhuma escola de cinema, não tinha equipamentos, então comprou uma editora de vídeo no Japão, que contrabandeou para o Brasil e aprendeu a montar… com o manual! Após se formar, Meirelles fez algo ainda mais surpreendente: convenceu seus amigos da faculdade de arquitetura, com quem fazia teatro, a montar uma produtora de televisão. Com ela, adquiriu experiência para depois fazer cinema. Da televisão, deu o salto para a direção, mas sem a obsessão autoral da maioria dos cineastas, que se concentram em contar suas próprias histórias e criar um universo reconhecível. Meirelles vai pegando relatos que lhe agradam ou que simplesmente lhe oferecem, até chegar ao grande sucesso de Cidade de Deus. Para finalizar, Luis destaca outra característica que diferencia Meirelles e todo o cinema brasileiro em geral: a facilidade de filmar em inglês. Isso é muito raro entre diretores latino-americanos e até espanhóis (como no caso de Pedro Almodóvar). Isso permitiu a Meirelles aumentar significativamente o orçamento de seus filmes, especialmente a partir de Cegueira, quando teve a ousadia de adaptar ao cinema a obra do único Prêmio Nobel de Literatura em língua portuguesa, e fazê-lo em inglês!

Música no programa

Brasil con ñ é uma coluna dedicada a divulgar pesquisas sobre o Brasil na Espanha do programa Brasil es mucho más que samba, emitido em Rádio USAL, todas às terças-feiras, às 17h30. Para sugerir uma pauta ou contatar com a equipe do programa, escreva ao masquesamba@usal.es

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