BioBrasil: entrevista Juan Sánchez

Conversamos com o documentarista Juan Sánchez sobre um dos maiores expoentes do cinema de terror brasileiro: José Mojica Marins.
Foto: Leandro Allochis

Esta emissão de BMQS traz uma entrevista com Juan Sánchez, documentarista e pesquisador audiovisual, que participou de documentários sobre cinema espanhol, como Queridos cómicos (Diego Galán, 1992-93), Sombras y luces: cien años de cine español (Antonio Giménez-Rico, 1996), ¿Quién fue Pilar Miró? e Con la pata quebrada (2013), ambos dirigidos por Diego Galán. Além disso, é diretor do curta-metragem Mondo Delirondo, e colaborou com publicações do Festival Internacional de Cinema de San Sebastián. Um verdadeiro especialista na Sétima Arte!

Contamos com ele para falar sobre o filme Maldito. O Estranho Mundo de José Mojica Marins (Ivan Finotti e André Barcinski, 2001), exibido no dia 21 de novembro, no Teatro Juan del Enzina, em Salamanca.

O documentário integrou a primeira edição do NovocineCult, realizada de 8 a 11 de abril de 2024, na Sala Equis, em Madri, que prestou homenagem à trajetória de um personagem único: José Mojica Marins.

Este cineasta brasileiro é autor de uma saga de terror violento e sangrento que mostra, de forma direta, antropofagia, assassinatos, violações, blasfêmias e atos extremos nunca vistos antes na tela. No entanto, no Brasil, ele é lembrado principalmente como o criador do sombrio personagem Zé do Caixão, um verdadeiro ícone pulp.

Sim, sim, mas quem é José Mojica Marins?

Embora no Brasil ele não precise de apresentação, fora de suas fronteiras é injustamente pouco conhecido. Por isso, nossa primeira pergunta a Juan Sánchez não poderia ser outra: quem é José Mojica Marins?

Filho de imigrantes espanhóis, nascido no bairro de Vila Mariana, na cidade de São Paulo, a relação de Mojica com o cinema remonta à sua infância. Não por acaso, seu pai trabalhou como gerente em uma sala de cinema na Vila Anastácio. Lá, nos conta Juan

o jovem Mojica assistiu a inúmeros filmes da sala de projeção (...) sem nenhum tipo de filtro de gênero ou idade (...). Foi ali que viu todos os clássicos de terror da Universal e diversos outros tipos de filmes. É nesse momento que, acredito eu, José Mojica Marins é possuído pelo fenômeno cinematográfico, pela arte da imagem em movimento.

Com 12 anos, José Mojica Marins conseguiu uma câmera V-8 e começou a produzir seus primeiros filmes de forma autodidata: curtas-metragens mudos nos quais ele próprio narrava as histórias, apresentados em pequenas salas de vilarejos e aldeias.

Sua entrada no mundo profissional do cinema não foi fácil. Então, segundo Juan,

ele enfrentou uma grande crise existencial e econômica, teve pesadelos e visões apocalípticas e, nesse estado de transe, criou o personagem Zé do Caixão.

Esse alter ego de Mojica Marins apareceu pela primeira vez no filme À meia-noite levarei sua alma (1964), que teve certo sucesso e impulsionou sua carreira como cineasta. Mojica chegou a fundar sua própria produtora, a Atlas, especializada em terror escatológico, e uma escola de atores que funcionava em uma antiga sinagoga. Lá, ele submetia as atrizes a testes intensos, e os gritos (além das orgias que dizem ter ocorrido) causaram muitos problemas com vizinhos e a polícia.

Os filmes eram populares, mas não para um público mais exigente ou intelectual. A crítica era dura com ele, mas cineastas como Glauber Rocha, uma figura central do Cinema Novo, o defendiam, afirmando que ele era um dos grandes diretores do cinema brasileiro.

Durante a ditadura militar, Mojica produziu filmes pioneiros no que viria a ser conhecido como gore, misturando violência explícita e sexo. Essa abordagem o colocou em conflito com a censura, que proibiu obras como O despertar da besta. Isso prejudicou sua carreira, forçando-o a alterar seus projetos. Juan afirma que

 

a censura limitou sua trajetória e que, sem essas barreiras, seu legado teria sido mais consistente.

Zé do Caixão versus Mojica

Como vocês puderam perceber, é impossível falar de José Mojica Marins sem mencionar Zé do Caixão, um personagem que, como descreveu Juan Sánchez no início da entrevista, tinha uma estética muito peculiar: vestido como coveiro, com cartola e unhas incrivelmente longas, que o próprio Marins deixava crescer, recusando-se a usar unhas de atrezzo.

Por isso, perguntamos a Juan Sánchez se ele acredita que, de alguma forma, o personagem ‘engoliu’ a pessoa. Quanto de Zé do Caixão havia em Mojica e vice-versa?

À primeira vista, pode parecer que a criatura, Zé do Caixão, devora seu criador, mas eu não acho que isso seja totalmente verdade. Acredito que José Mojica Marins brincava com essa ambiguidade; de certa forma, ele se interessava pelo fascínio que isso despertava no público, porque isso gerava interesse em suas aparições na televisão, em eventos públicos e nos filmes em que atuava ou dirigia (...). E também acredito que ele se divertia com isso, gostava de brincar com o público. É possível que, como Zé do Caixão, ele pudesse dizer e fazer coisas que, talvez, como José Mojica Marins, ele não pudesse ou não quisesse fazer. Havia uma espécie de liberdade, de ir um pouco além como Zé do Caixão do que como José Mojica Marins.

Para encerrar esta parte da entrevista, perguntamos a Juan Sánchez por que ele acredita que este personagem em particular, sádico e perverso, se tornou um verdadeiro ícone da cultura pulp no Brasil. Ele nos respondeu:

Eu acredito que [Zé do Caixão] é um personagem que tem muitos elementos para se conectar com o povo. Quando ele aparece nos anos 1960, é uma época de muita revolução em todos os aspectos, e a juventude está quebrando muitos tabus. Zé do Caixão é um grande quebrador de tabus: ele é contra a religião, contra a família, critica o poder e proclama a liberdade sexual. De certa forma, ele é muito antisistema.

O legado de José Mojica Marins no cinema

Para finalizar a entrevista, perguntamos a Juan Sánchez qual foi o legado deixado por José Mojica Marins no cinema (ou na produção audiovisual) de terror no Brasil. Ele nos disse que é importante, embora ainda pouco reconhecido. Em sua opinião, está no mesmo nível de Herschell Gordon Lewis, o pai oficial do gore, com seu filme Blood Feast (1963), e, de certo modo, também de Russ Meyer ou Jesús Franco, aqui na Espanha.

Resumindo: um nome essencial para conhecer as origens do cinema de terror e fantástico, que, mesmo no nosso mundo globalizado, ainda tem um longo caminho a percorrer.

Para saber mais

Para se aprofundar um pouco mais no cinema de terror e ficção científica brasileiros, recomendamos ouvir os podcasts das entrevistas com o recentemente falecido R. F. Lucchetti e com o professor e crítico de cinema Alfredo Suppia. Também vale a pena assistir à entrevista que José Mojica Marins concedeu à TV Brasil em 2013.

Música no programa

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