BioBrasil: Anlene Gomes de Souza

Da cor daquele céu é o livro da escritora brasileira Anlene Gomes de Souza, que nos leva a passear por Madri e outras cidades espanholas.

Nesta entrega de #BMQS trazemos uma entrevista com a escritora brasileira Anlene Gomes de Souza, autora do livro Da cor daquele céu (AzuCo, 2024).

Anlene nasceu no Rio de Janeiro e viveu muitos anos em Vilha Velha (Espírito Santo, Brasil). Ela é mestre em História da Cultura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), e desde 2002 vive em Madri, onde trabalhou como pesquisadora na área de História, em projetos culturais e tradução entre português e espanhol.

Como boa parte das pessoas migrantes, Anlene também descobriu e redefiniu sua brasilidade nesses mais de vinte anos vivendo na capital espanhola. Atualmente, a escritora passa temporadas entre os dois países. Da cor daquele céu oferece aos leitores e leitoras, em primeira pessoa, um relato comovente sobre as descobertas internas e externas da escritora pelo território espanhol.

Um pequeno parêntese: Brincar.es

Em 2014, numa entrega de Con más Brasil emitimos uma entrevista com Anlene Gomes sobre o projeto Brincar.es. A iniciativa tratava de criar um espaço lúdico para a transmissão da língua portuguesa e da cultura brasileira entre famílias hispano-brasileiras em Madri. Ao longo de sua trajetória, de 2008 a 2015, o Brincar.es contou com o apoio da Casa do Brasil, do Consulado-Geral do Brasil e da Fundação Cultural Hispano-Brasileira. Além do podcast da emissão, ainda é possível conferir o documentário do Ponto de Memória, “Asocia2”, sobre o projeto.

Que cor? Que céu?

O título Da cor daquele céu faz referência a vários céus: o céu da infância da autora, recordado com uma canção de roda que dizia “fui à Espanha buscar o meu chapéu, azul e branco da cor daquele céu”, e o de Madri, que há mais de duas décadas cobre Anlene, e que lhe proporciona um azul cristalino quando se cruza no horizonte com a Serra de Guadarrama.

Da cor daquele céu é um dos volumes de uma coleção da editora AzuCo, que reúne livros de bolso com relatos de brasileiros e brasileiras que vivem no exterior. Já foram publicados livros sobre a China, Alemanha, Suíça e Estados Unidos, e todos eles apresentam um formato interessante de redação, que fica no cruzamento entre a memória biográfica e os relatos de viagem.

Com Anlene passeamos por toda a geografia espanhola, através de pequenos capítulos, ela vai contando e apresentando esses diferentes lugares, sempre a partir do seu olhar curioso. Na verdade, para atender o pedido do escritor Fernando Dourado Filho, da AzuCo, de dedicar um livro à Espanha, Anlene reescreveu e atualizou parte de um material que ela já havia publicado anteriormente em plataformas de blogs.

Ainda trabalhei bastante, e consegui chegar ao que eu acho que é um pouco o do que eu queria contar: uma parte dedicada a Madri, a minha experiência em Madri, a minha inserção e a minha vida na cultura espanhola, e uma outra parte dedicada às viagens que eu escolhi também, selecionei as que eu tinha um material mais trabalhado e que eu podia reescrever.

Anlene tem um estilo de escrever fácil, eu diria, quase jeito de crônica. Por meio do texto escrito, a sua voz vai se aproximando do leitor como se estivesse conversando com um amigo. No texto, vez por outra, encontramos termos em espanhol, como Madri com “d” e vinito, entre outros termos gastronômicos, especialmente. Na entrevista, a escritora conta que essa opção na redação tem a ver com a familiaridade entre os idiomas espanhol e português, mas também com sua “divisão interna”, de considerar-se espanhola e brasileira. Portanto, ela entendia não ser necessário retirar da palavra escrita a sonoridade do espanhol. E, por último, por tratar-se de um livro digital, qualquer dificuldade de vocabulário poderia ser resolvida, literalmente, com um click.

O livro começa com um capítulo dedicado a Madri, por supuesto! Longe de encontrar uma cidade avassaladora, Anlene mostra uma versão toda sua da capital espanhola, com cafés, praças y su gente, uma Madrid – venga, me rindo, Madrid con “d” de ahora en adelante –, uma cidade efervescente mas acolhedora ao mesmo tempo.

Eu quis mostrar um pouco do amor que eu tenho às cidades, eu amo cidade. A cidade para mim sempre tem um interesse, e no caso uma cidade que eu moro há tanto tempo, esse interesse para mim permanece vivo. A cada vez que estou andando na rua - eu sou muito curiosa. Então, quis passar um pouco desse hábito que eu tenho, digo no começo que são passeios, são os meus passeios pela cidade e pela Espanha, é o que eu tentei transmitir.

Nesse primeiro capítulo, há um fragmento belíssimo:

Observo o encanto banal do cotidiano, o discorrer da vida repleta de presenças e memórias de outros percursos. Sinto o movimento em função da hora do dia, acompanhando os passos de outras pessoas. Paro para descansar, tomar um café com leite, uma cerveja ou um vinito. Gosto de ver a mesma paisagem urbana por outros ângulos, mantendo certa distância, sem pretender entender tudo, como se fosse a primeira vez. É o lado bom de ser estrangeira, embora a rotina, a pressa e a repetição possam anestesiar o olhar. Nestas andanças faço registros do que me chama a atenção. Altero o trajeto para explorar um caminho desconhecido. Revejo espaços e encontro mudanças no que até pouco tempo parecia inalterável. Estar atenta às alterações dessa paisagem afetiva é uma forma de me sentir integrada. Sou uma personagem urbana a mais a andar pelas ruas.

Da cor daquele céu.

Depois de 20 anos vivendo em Madrid, Anlene se sente integrada e acolhida no país. Construiu aqui uma família, amigos, trabalho… mas sempre há descobertas por fazer, e o olhar estrangeiro permanece tentando encaixar o conhecido com o novo.

O que eu tenho não é um estranhamento em relação à cultura, eu tenho curiosidade. Acho que é importante manter a nossa capacidade de enxergar essa diferença tanto para respeitar, que é uma cultura diferente da nossa, como para reconhecer nossas qualidades.

Ao longo dos capítulos, lemos muitas referências sobre a gastronomia espanhola – a escritora confessa ser apaixonada pela cozinha nacional –, sobre arquitetura – ¿como no? –, paisagens e costumes locais. Tudo isso contribui para traduzir aos leitores uma visão do país mais encarnada na vida cotidiana.

Já no final da entrevista, pedi a Anlene que também lesse alguma parte do livro. Ela escolheu a seguinte:

Sou uma mulher diferente daquela que chegou sem saber se iria ficar, com a insegurança do início de um novo ciclo. (…) Imigrar também me ensinou sobre meu país e sobre a forma como somos vistos na cultura espanhola. Sempre serei estrangeira, la brasileña, mesmo que tenha nacionalidade me expresse com fluidez. Sou reconhecida pela maneira de falar e por sinais que revelam minha origem sem que eu me dê conta. (…) Após tanto tempo, o melhor de viver em outro país é a sensação de proximidade que vamos adquirindo com a cultura e com seu estilo de vida. Meu estranhamento inicial aos poucos desapareceu. Ganhei a sensação confortável de fazer parte de me sentir em casa.

Da cor daquele céu

Gostou? O livro está disponível em português no formato e-book na Amazon, e o podcast aqui abaixo. ¡Dale a play! e confira!

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