Em um mundo à beira do abismo, a literatura não apenas imagina futuros. Ela os denuncia. Neste episódio do podcast BMQS, mergulhamos na escrita visceral de Roberto Denser, escritor paraibano que, com seu romance Colapso (Darkside Books, 2023), marcou um antes e um depois na ficção científica distópica brasileira.
Sobre o autor
Nascido na Paraíba, em 1985, Denser formou-se em Direito, mas já exerceu ofícios tão diversos quanto açougueiro, livreiro e vendedor ambulante de sandálias — experiências que se infiltram em sua obra sem disfarces. Atualmente vive no Rio de Janeiro com seus filhos e escreve diariamente, muitas vezes em antigas máquinas de escrever, daquelas que ainda exigem trocar o rolo de tinta de vez em quando.
Seu estilo narrativo se destaca por ser cru, visceral e pessimista, com temas que incluem a loucura, a solidão, a arte e, às vezes, o amor. Em entrevista ao blog da DarkSide Books, ele afirmou:
Acho que a humanidade está sempre à beira do colapso. É como se o colapso (seja político, econômico, climático ou mesmo social) fosse uma espécie de espada de Dâmocles sobre a cabeça imaginária da humanidade. Não sou a pessoa mais otimista do mundo. Acho que basta um pouco de azar para tudo desmoronar.
Roberto Denser
Colapsando
Publicado em 2023 pela editora DarkSide Books, Colapso é um romance extenso e sufocante — 448 páginas que nos transportam a um mundo devastado por um evento conhecido como Marco Zero, que exterminou 99,9% da humanidade. A narrativa se passa quarenta anos depois, em um Brasil de céu avermelhado, cidades em ruínas e recursos cada vez mais escassos. Ao longo do livro, acompanhamos o dia a dia de diferentes personagens que lutam por coisas tão básicas quanto comida, água ou abrigo seguro, enquanto tentam sobreviver em um mundo onde a civilização — tal como a conhecemos — deixou de existir. Denser coloca o foco na brutalidade e na maldade humanas, quando o homem retorna ao seu estado mais primitivo, onde tudo se resume a comer ou ser comido… às vezes, de forma literal. E é que Roberto Denser não constrói um futuro; ele nos arrasta para um presente deformado.
A origem do livro e seus primeiros e difíceis passos são contados pelo próprio autor em entrevista ao canal Literatura Sem Frescura. Ele confessa que a ideia surgiu um dia, voltando de ônibus da faculdade, quando percebeu que todos os passageiros estavam absortos, perdidos em seus dispositivos digitais, como se estivessem completamente sozinhos no mundo. Começou a escrever e a história ficou pronta em menos de um mês. Sem conseguir que nenhuma editora se interessasse por seu trabalho — como acontece com tantos escritores iniciantes —, ele autopublicou o livro. Assim, antes de se tornar um volume impresso, Colapso foi um ebook dividido em três partes: “Depois do fim”, “Na estrada” e “Colapso”. Essa estrutura se manteve, de certa forma, na edição publicada pela DarkSide Books.
Em Colapso, não há respiro. Os personagens enfrentam dilemas extremos: proteger uma vida em gestação, salvar uma amizade, escolher entre matar ou morrer. Cada capítulo é uma prova de resistência para eles — e também para o leitor. Porque Roberto Denser não poupa ninguém: ele é cruel, duro, direto, não tenta nos poupar de nenhum detalhe nem nos proteger de nada. Mais uma vez, percebemos que, no fim do mundo, o mais terrível não é o que a natureza possa fazer conosco, mas o que fazemos uns com os outros.
A recepção de Colapso foi tudo, menos morna. O livro foi semifinalista do Prêmio Jabuti 2024 e gerou tanto entusiasmo quanto rejeição. Leitores descrevem a experiência como intensa, até mesmo indigesta. E é que Roberto Denser não escreve para consolar. Escreve para confrontar. Colapso é um alerta, um espelho deformado que não queremos encarar… mas que precisamos ver.
Para saber mais
Para mergulhar ainda mais no universo de Colapso, vale ler o conto que Roberto Denser escreveu para a série “Um conto de Natal” da Darkside Books (2022). São dez contos assinados por alguns dos principais nomes da literatura de terror e ficção científica brasileira, como Cesar Bravo, Verena Cavalcante e Enéias Tavares. O texto de Denser se chama “A última vez” e está disponível neste link.
Também é possível acompanhar Roberto Denser no Instagram ou visitar seu site oficial.
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