BMQS entrevista com Edel de Moraes

Em entrevista, Edel de Moraes, Secretária Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais, do Ministério do Meio Ambiente brasileiro, fala sobre os desafios que o país enfrenta no âmbito socioambiental.

Esta entrega de #BMQS traz uma entrevista com Edel Nazaré Santiago de Moraes, Secretária Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais e Desenvolvimento Rural Sustentável, do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima do Brasil. A entrevista aconteceu com motivo da visita da Secretária à Universidade de Salamanca, onde ministrou o Workshop: “História Ambiental e Gestão de Conflitos na América Latina: Perspectivas e Desafios para o Século XXI”, no Instituto de Iberoamérica, e a conferência “Da luta pelos direitos à luta pela garantia dos direitos: a escrita socioambiental. O caso do Bolsa Verde”, no Centro de Estudos Brasileiros.

A entrevista contou também com a participação de Diana de Alencar Meneses, doutoranda da USAL e gestora ambiental do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Ambas atuaram juntas num projeto para o desenvolvimento do Marajó na reserva indígena no Mapuá (Pará, Brasil) há quase 10 anos, uma experiência que uniu instituições nacionais e internacionais, além da comunidade local. Nesse período, Edel de Moraes já atuava no Conselho Nacional de Populações Extrativistas (CNS), e a experiência de execução do projeto demonstrou que as políticas públicas devem partir de uma perspectiva de cogestão com as comunidades locais.

A volta do MMA

Depois de anos de atuações direcionadas ao desmonte do Ministério do Meio Ambiente, a reconstrução da pasta tem como liderança a ministra Marina Silva, “que é uma mulher negra da Amazônia, que tem toda essa vivência, que é um símbolo para nós no Brasil sobre meio ambiente, sobre sustentabilidade”. Para Edel de Moraes, uma das características da atuação da Ministra Marina Silva é “dar voz e dar vez a povos e comunidades”. Isso se traduz, em parte, a que ela tenha sido nomeada secretária nacional por sua luta e atuação política e pertencimento a uma comunidade rural extrativista, para ocupar um “espaço onde historicamente foi um espaço de outros, de outras, e não de figuras como eu”.

A Secretaria de Povos e Comunidades Tradicionais

Edel de Moraes contextualiza a criação da Secretaria num momento histórico de retomada da democracia no país, com uma importante abertura do diálogo entre governo e povos e comunidades tradicionais para a elaboração de políticas públicas. A Secretaria está formada por três departamentos: o Departamento de Gestão socioambiental e Povos e Comunidades Tradicionais, o Departamento de Políticas de Gestão Ambiental Rural, e o Departamento de Combate à Desertificação.

O Decreto nº 11.349, de 1º de janeiro de 2023, estabelece que a Secretaria Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais terá competências, entre outras, em “propor políticas, normas e estratégias e promover estudos que visem ao desenvolvimento sustentável”. Nas palavras da Secretária Edel, este compromisso trata de “conseguir ser referência na elaboração de políticas públicas para povos e comunidades tradicionais e no desenvolvimento rural sustentável”. Além disso, a Secretaria de Povos e Comunidades Tradicionais é a secretária executiva do Conselho Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais (CNPCT), órgão de participação da sociedade civil, criado em 2007, e a Secretaria tem o compromisso de efetivá-lo com a representação de comunidades e povos tradicionais.

Por isso, Edel de Moraes afirma que a Secretaria Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais é parte de uma estratégia de governo para reestruturar o Ministério do Meio Ambiente, “um Ministério que foi muito atacado, que foi muito desmontado na gestão anterior”. Trata-se, portanto, do “reflorestamento não somente do Brasil, do combate ao desmatamento, do combate e enfrentamento às mudanças climáticas, mas essa remontagem internamente dessa estrutura, desse órgão, que é muito importante”.

A floresta tem gente

A ideia de que a Amazônia é um enorme espaço verde a ser preservado já está ultrapassada, porque é incompleta. A Amazônia e todos os demais biomas no Brasil são “territórios sem fronteiras”, onde vivem povos e comunidades tradicionais com características sociais muito diversas. Quando a assertiva “a floresta tem gente” se torna objeto de políticas públicas, isso implica compreender que essas populações que ali estão (e lutam por ali permanecer) possuem um conhecimento experiencial do manejo da floresta, algo que, como diz Edel de Moraes, a ciência batizou como “manejo sustentável” a uma prática que sempre existiu entre essas comunidades.

se você tem uma castanheira é porque essa castanheira foi cultivada, foi manejada, foi feita pelos nossos antepassados, se você tem uma floresta frutífera, se você tem uma floresta que alimenta é porque povos e comunidades ali estavam desde sempre manejando

Por “manejo sustentável” também entendemos a interconexão com a ciência e a tecnologia que, atreladas ao conhecimento dos povos tradicionais, permitem a manutenção da “floresta em pé”, e com isso melhorar as condições de vida e serviços ambientais,

que servem para toda a humanidade, que servem para o equilíbrio do clima, que servem para que a gente possa continuar no planeta vivo (...) manter o manejo sustentável é manter geração de renda (...) é manter também a biodiversidade protegida, avaliada, acompanhada.

Políticas públicas: o caso do “Bolsa Verde”

Atualmente, Edel de Moares cursa o doutorado na Universidade de Brasília e seu tema de pesquisa está relacionado com o caso do programa “Bolsa Verde”. Esse programa foi instituído em 2011, desativado em 2016, e retomado no atual governo do Presidente Lula. Em linhas gerais, trata-se de um programa de transferência de renda destinado a famílias de Resex e assentamentos, com pagamentos trimestrais no valor de 600,00 reais com o compromisso dessas populações em cuidar da região e utilizar os recursos naturais de forma sustentável. No entanto, na prática, o programa rompe as barreiras da entrega de rendimentos econômicos, e se desdobra em inclusão social e cidadania. Na entrevista, Edel de Moraes afirma que o “Bolsa Verde” é um desafio, em primeiro lugar, porque retomar uma política pública é, muitas vezes, mais complicado que criar uma do “zero”. Ainda assim, para o “Bolsa Verde” sair do papel é preciso que várias instituições se coordenem:

A transferência de renda que acontece no programa ‘Bolsa Verde’ é um item, mas antes de chegar essa transferência, ele precisa que as pessoas tenham uma identidade, estejam numa relação de beneficiário, estejam cadastrados na Caixa Econômica, (...) é inclusão bancária, é inclusão social, é visibilidade, é cidadania, é também mostrar que essas pessoas precisam de conectividade, precisam de energia, precisam de tecnologias, de acesso à água, precisam de saúde, precisam de educação.

A entrevista continua sobre os desafios mais iminentes do Ministério e da Secretaria: o combate ao negacionismo ambiental e às fake News, defesa da democracia no país, entre outros, e termina com a convocação da Secretária a que povos e comunidades tradicionais participem dos espaços de discussão coletiva da COP30, que acontecerá em Belém, capital do Pará em novembro de 2025.

“Esperançar” é o verbo

Os desafios do Brasil e do mundo na preservação socioambiental são gigantescos. Em casa, o primeiro passo foi dado: trazer aqueles que vivenciam de forma mais imediata os impactos do câmbio climático para a discussão e construção de políticas públicas urgentes e necessárias para garantir a nossa existência no mundo. Há um momento na entrevista que Edel de Moraes recorre à Pedagogia para explicar-nos que

estamos aqui ‘esperançando’, com o verbo mesmo de ‘esperançar’, como Paulo Freire nos ensinou, agindo, trabalhando, sonhando e executando ações de políticas públicas para povos e comunidades tradicionais, para o desenvolvimento rural sustentável, para o Brasil.

Há quem faça política com afeto.

Participam:

Edel Nazaré Santiago de Moraes é uma destacada liderança afroindígena e defensora dos povos tradicionais no Brasil. É formada em Pedagogia, mestre em Desenvolvimento Sustentável com Povos e Territórios Tradicionais pela Universidade de Brasília, e doutoranda no Centro de Desenvolvimento Sustentável também da UnB. Edel tem uma trajetória ativa em instituições de gestão coletiva e ocupou cargos importantes, como vice-presidenta do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (o CNS). Em 2023, na gestão da Ministra Marina Silva, foi nomeada Secretária Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais e Desenvolvimento Rural Sustentável no Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima.

Diana de Alencar Meneses é formada em Comunicação Social, com especialização em Gestão e Controle Social de Políticas Públicas. Mestre em Biodiversidade em Unidades de Conservação pelo Instituto de Pesquisa Jardim Botânico do Rio de Janeiro. É também analista ambiental no Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), onde trabalha há 15 anos, e atualmente, está cursando o doutorado em Ciências sociais aqui na USAL.

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