BioBrasil: Sabine Mendes Moura

BioBrasil entrevista a Sabine Mendes Moura. Escritora, roteirista e editora, e principalmente, uma mulher comprometida com seus ideais.

Nesta emissão de BioBrasil trazemos uma entrevista com uma grande mulher, polifacética e comprometida. Escritora, roteirista e editora, fundadora da editorial Nua, a protagonista do podcast de hoje é Sabine Mendes Moura, uma pessoa com ideias claras e muito talento. Na entrevista, ela conta sobre trabalho e sobre outras formas de fazer (boa) literatura.

Capítulo I: origens

Sabine Mendes Moura é formada em Letras e Cinema. Durante 15 anos, trabalhou no ensino, ocupação que abandonou em 2018 para se dedicar completamente à escritura. Apesar de que era o seu sonho, Sabine considera que o ofício de escrever não é fácil, requer muita disciplina pessoal, sobretudo, quando se trata de projetos autorias, sobre o quais não há que prestar contas a ninguém. Exceto a si mesmo.

Vinculada desde sempre à literatura fantástica, muitos de seus trabalhos estão centrados na ficção científica, como o romance Incompletos (Presságio Editora, 2018), que foi premiada pelo ProAc, o programa de apoio à cultura do estado de São Paulo, e a coleção “Infinitos mundos”, na qual participou em vários livros como editora e revisora. Mais recentemente, publicou o romance LGTBQ experimental Pervertidos, na editora independente Mocho Edições.

Além disso, alguns de seus relatos foram selecionados para forma parte de diferentes antologias, como Novas contistas da literatura brasileira (Zouk, 2016), Terrores latinos e Terrores asiáticos (de literatura fantástica, lançados pela editora Luva). Foi selecionada entre mais de 200 candidatos para formar parte da coleção Contos de bolso (Lendari, 2019), onde encontramos o relato de sua autoria “Você Unlimited”, que foi recentemente premiado na categoria de melhor conto de ficção científica pelos premios Odisseia de literatura fantástica deste ano.

Nestes momentos, Sabine está terminando uma obra que se afasta um pouco da sua “zona de conforto”. Trata-se de um romance mais longo que, inclusive, pode chegar a se converter numa trilogia, com uma forte influência da cultura lésbica e que reconstrói um Rio de Janeiro futurista, inspirada nas contribuições da cultura bantu. O romance está protagonizado por um casal de mulheres e, além de incluir elementos mágicos, propõe um questionamento sobre tudo aquilo que consideramos monstruoso e de como essa monstruosidade é muitas vezes uma construção social.

Sabine também vem colaborando com outros meios de comunicação. Em breve, chegarão mais artigos, entrevistas crônicas e contos… Para ela, falar sobre o momento que estamos vivendo, participar ainda que com pequenos textos, é uma forma de colaborar na reconstrução do Brasil, principalmente depois das dificuldades vivenciadas na última década, mas que agora se abre uma porta para um futuro esperançador.

Capítulo II: construindo mundos imaginários

A segunda parte da entrevista esteve dedicada à literatura fantástica e ficção científica no Brasil. Para Sabine Mendes Moura, ainda há um forte preconceito sobre esses gêneros no país, apesar de importantes avanços conquistados, sobretudo desde que prêmios, como o mencionado Odisseia de literatura fantástica prestasse atenção à produção de trabalhos de ficção científica e literatura fantástica em geral. Isso fez com que grandes concursos literários, como o famoso Premio Jabuti, começassem a abrir categorias específicas para premiar literatura de ficção científica e fantasia.

Nossa entrevistada reconhece que algo assim é uma grande conquista, porque até agora os romances do gênero nem mesmo ousavam (ou podiam) participar deste tipo de concursos nacionais. As obras eram rotuladas como alternativas o juvenil, o que impedia que fossem selecionadas… E Sabine lamenta isso, porque em muitos países, em especial nos de língua inglesa, a literatura fantástica ou de ficção científica sempre foi considerada um gênero extremadamente sério, uma referência importante para compreender mudanças políticas e sociais. Sabine menciona obras fundacionais como 1984 de George Orwell e o romance de Ray Bradbury Fahrenheit 451, textos fundamentais para entender o contexto político polarizado da época.

Sabine sempre priorizou ficção científica, porque vê no gênero “uma ferramenta democrática”. É que quando se quer falar sobre questões polêmicas, fazê-lo a partir de uma reconstrução da realidade, uma realidade alternativa ou um mundo paralelo, pode ayudar a alcançar um público mais amplo, assim como propor temas difíciles de serem abordados certos leitores. Assim que, para ela, o grande potencial da ficção científica é sua capacidade de apresentar “questões políticas profundas a partir de construções metafóricas”. Porque dessa forma, através do lúdico, é possível ampliar o debate, a crítica e a reconsideração de problemas que nos afetam no nosso dia a dia.

Capítulo III: lutando por um mundo melhor

Sabine Mendes Moura, além de ser uma grande escritora, desde pequena é ativista de diferentes causas. Na entrevista, ela afirma que o seu compromisso social se intensificou quando entrou na faculdade de cinema. Ela encontrou um ativismo proposto a acabar com a falta de acesso aos meios de comunicação por uma parte da população brasileira. Nessa época, Sabine participou, por exemplo, da criação de programas de rádio e tv comunitárias no Rio de Janeiro, lutando, sem saber, para dar espaço à representatividade, quando ainda não se  falava nesse termo. E tudo isso dentro do contexto de trabalho do movimento humanista, de uma entidade conhecida como A comunidade para o desenvolvimento humano reconhecida pela ONU como uma das organizações que lutam contra a não violência.

Sabine considera ter tido sorte em poder formar-se nesse ambiente e aplicar essa formação em seu trabalho literário, onde se projeta como mulher negra, da comunidade LGTBQ+, lésbica e combativa com a gordofobia, a descriminação que sofre na pele. Pouco a pouco, Sabine desenvolveu mecanismos para traduzir tudo isso em seus textos, não de um modo panfletário, mas divulgando histórias, construindo personagnes e narrativas que não se encaixavam nos meios de produção literária. E, como ela afirma, “as histórias podem mudar o mundo”.

Por isso, Sabine Mendes Moura considera que a sua maior contribuição é a editora Nua, onde com outros 7 voluntários, desde 2018, vem construindo um catálogo com 27 livros.

Enquanto trabalhava como docente, deparou-se com as dificuldades que significavam escrever fora dos padrões comerciais, geralmente ditados pelo mercado norte-americano ou europeu, aos que estava habituada a sua geração. Esses leitores consumiam especialmente traduções, que tinham um certo estilo muit característico, que os escritores brasileiros acabavam reproduzindo. Assim, a experimentação e a linguagem própria eram deixadas de lado. Mas, a experimentação existe! É uma literatura brasileira que está aí, que tem a sua própria identidade e que, não obstante, Sabine não via publicada em nenhuma parte, ou pelo menos, não com a mesma facilidade que as obras que seguiam os cânones estabelecidos, especialmente, se os autores eram negros, LGTBQ+ , neurodiversos e ativistas de qualquer gênero, porque normalmente não abordavam temáticas “comerciais”. Assim, a editora Nua surgiu para dar um espaço para esses textos.

Todos os livros são financiados através do crowdfunding ou através de pré-vendas nas redes sociais. Trata-se de obras individuais, não coletivas, porque, segundo Sabine, “o livro ainda é uma ferramenta muito elitista, uma ferramenta de poder no Brasil”, e de diversos gêneros: poesia, teatro, ficção, não ficção…  Cada uma com suas características gráficas e editoriais próprias. Uma vez publicados, tentam divulgar esses livros em festivais, concursos e por aí vai. Y essa, confessa Sabine, é a sua principal forma de ativismo hoje em dia.

Agradecemos a Sabine Mendes Moura pela oportunidade da entrevista. Com certeza, o país precisa de mais pessoas assim, comprometidas, inconformadas com as injustiças e que tentam desvelar-nos uma rica e ampla variedade de cores além do cinza oficial.

Epílogo: música para sonhar

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