Nesta nova entrega de BioBrasil, o programa mergulha nas profundezas literárias de Aline Valek, uma das vozes mais singulares da ficção especulativa brasileira contemporânea. Escritora, ilustradora e criadora de mundos que se equilibram no limite da ruína, sua narrativa navega entre o poético, o distópico e o profundamente político. Em seus romances e contos, o mundo não explode… se dissolve. E, nesse processo, suas personagens buscam outras formas de habitar a ruína, de se reconstruírem, de não se perderem no fundo do tempo ou da memória. Valek escreve a partir da periferia do cânone, mas também do centro da experiência sensível. Seus textos não gritam. Sussurram. Escorrem como a água que inunda suas cidades.
Neste podcast do BMQS, respiramos fundo e damos um salto de fé para nos afundar na obra de Aline Valek.
Sobre Aline Valek
Nascida em Minas Gerais, Valek formou-se em Comunicação Social no Instituto de Ensino Superior de Brasília. Trabalhou como redatora publicitária em diversas agências até se mudar para São Paulo, onde encontrou na escrita sua forma de resistência. Seus textos sobre feminismo ganharam grande repercussão e ela passou a escrever regularmente para diferentes veículos, como Update or Die! e Carta Capital.
Em 2013, organizou, junto com Lady Sybylla (pseudônimo de Amanda Hoelzel), uma antologia de ficção científica feminista intitulada Universo desconstruído, composta por dois volumes publicados de forma independente. Trata-se de um projeto coletivo de ficção científica feminista que propõe narrativas livres de misoginia, racismo e homofobia, abrindo caminhos para imaginar futuros a partir de perspectivas dissidentes.
Em 2016, publicou seu primeiro romance, As águas-vivas não sabem de si (Editora Rocco), uma história ambientada nas profundezas oceânicas, onde uma cientista, Corina, enfrenta os limites da solidão, da comunicação e da percepção. O romance combina elementos do realismo e da fantasia, alternando a voz humana com a de criaturas marinhas que observam o mundo a partir de uma consciência coletiva.
Além de romancista, Aline Valek é também ilustradora. Em 2018, participou da edição anual O Melhor de São Paulo, da Folha de S. Paulo, e colaborou com editoras como Companhia das Letras. Entre seus projetos mais pessoais, destaca-se a série de postais “Planetas”, em que combina caligrafia e imagem para recriar paisagens imaginárias do sistema solar.
Sua atividade criativa se estende também ao universo do podcast. Desde 2019, produz Bobagens Imperdíveis, uma série de episódios narrativos sobre linguagem, história, arte e ciência, que surgiu a partir de sua newsletter homônima. Atualmente, reside em Munique, onde continua desenvolvendo projetos literários e visuais, além de compartilhar textos inéditos e reflexões em seu boletim Uma palavra.
As cidades se afundam em dias normais
O seu segundo romance, Cidades afundam em dias normais (Editora Rocco, 2020), consolida o imaginário aquático de Valek. A trama se passa em Alto do Oeste, uma cidade do centro-oeste brasileiro que, um dia, começa a afundar nas águas de um lago. Não se trata de um apocalipse convencional, em que tudo se desintegra em questão de horas ou dias. É um desaparecer quase doce, que não interfere na vida cotidiana de seus habitantes até o fim — até que a cidade… deixa de existir. A sensação que atravessa toda a história e penetra o leitor é expressa por uma das personagens secundárias, que em certo momento diz: “As pessoas sempre se acostumam depois de um tempo. Se acostumam com o caminho da escola, com os programas de TV, com as cidades que desaparecem, com os confinamentos, com os golpes sem explicação. Isso me assusta um pouco. Acostumar-se é não conseguir diferenciar as tragédias dos dias normais.”
Anos depois, após uma seca, a cidade ressurge, e uma fotógrafa chamada Kênia retorna ao que foi seu lar para registrar as ruínas e reconstruir a memória do lugar.
A narrativa vai e vem no tempo, mostrando como era a vida daquelas pessoas antes de a cidade afundar e o que pretendem fazer agora que Alto do Oeste voltou à superfície. A prosa de Aline Valek é poética, fragmentada, tecida de imagens e silêncios, nos quais reflete sobre a normalização do desastre e a resiliência humana em um mundo que afunda lentamente. Em uma entrevista concedida à Jana Viscardi, Valek analisa seu processo criativo e a necessidade de construir narrativas que questionem a passividade diante das crises. Porque, se é verdade que as cidades se afundam em dias normais, isso não deveria nos fazer acostumar com elas…
Para saber mais
Para conhecer melhor Aline Valek, você pode segui-la no Instagram ou assinar sua newsletter Uma palavra, onde ela compartilha regularmente textos inéditos e os bastidores de seu processo criativo. E, claro, visitar seu site oficial, onde estão reunidos seus trabalhos, além de pequenas surpresas como o audioconto “Nome sujo”, incluído na obra Neurose a varejo, disponível gratuitamente para escuta. Encerramos o programa com “Solidão civilizada”, da cantora baiana Josyara, pertencente ao álbum Mansa Fúria (2018), uma canção que condensa a solidão e a calma contida que atravessam a obra de Aline Valek.
BioBrasil é uma coluna do programa Brasil es mucho más que samba dedicada a divulgar a biografia de especialistas, profissionais e personagens (históricos e atuais) da vida cultural, política e social brasileira. Brasil es mucho más que samba está em antena todas às terças-feiras, às 17:30 horas, em Rádio USAL. Para sugerir uma pauta ou contatar com a equipe do programa, escreva a masquesamba@usal.es