BioBrasil: entrevista Carol Chiovatto

Conversamos com a autora de "Porém bruxa" e "Árvore inexplicável" sobre fantasia urbana, ficção científica e sobre mulheres na literatura fantástica.

Nesta emissão de BMQS oferecemos uma entrevista com Carol Chiovatto, escritora, tradutora e doutora em Letras pela Universidade de São Paulo (USP, Brasil). O seu primeiro romance de fantasia urbana se intitula Porém bruxa (Avec, 2019) e talvez seja uma das histórias mais refrescantes e surpreendentes do gênero.

Quem é Carol Chiovatto?

Carol Chiovatto é natural de Niterói, no Rio de Janeiro, mas cresceu em São Paulo. Na adolescência, gostava de literatura policial, até que conheceu a saga de Harry Potter e O Senhor dos Anéis e descobriu o fantástico. Com 20 anos decidiu que queria ser escritora. No entanto, dedicar-se às letras não é fácil, já que se trata de uma profissão que em poucas ocasiões paga as contas. Por isso, Carol começou a estudar Direito, mas abandonou a carreira porque não gostava de exercê-lo. Mudou para Comunicação Social, na área de publicidade, onde trabalhou durante algum tempo e aprendeu coisas interessantes, como a importância das redes sociais. Mas, a publicidade não lhe preenchia e novamente decidiu mudar de rumo, primeiro ao mundo editorial, onde realizou trabalhos de tradução e depois ao mundo acadêmico.

Cursou um mestrado em estudos linguísticos e literários em inglês na USP, e dedicou a dissertação ao tema da representação feminina em O Mago de Oz. Continuou com o doutorado, também na USP, para estudar a figura da bruxa como estereótipo feminino transgressor, comparando fontes históricas inglesas e obras contemporâneas com representações interessantes da bruxa.

Suas fontes de inspiração vão de reportagens da atualidade ao imaginário da cultura pop. Se falamos de livros, em lingua inglesa, Carol afirma que adora China Miéville, Ursula Le Guin e Becky Chambers, entre muitos outros nomes.  Em lingua portuguesa, gosta de Eric Novello e Felipe Castilho, que são autores que estavam escrevendo literatura fantástica no Brasil na mesma época que ela e que têm obras incríveis.

No final da primeira parte da entrevista, Carol confessa que tem uma mania na hora de escrever: escreve à mão. Si tem uma ideia no metrò ou andando pela rua, anota no telefone, no Word, mas escrever à mão é uma parte muito importante do seu processo criativo, porque

me ajuda muito no desenvolvimento do meu pensamento, sabe?, no desenvolvimento das ideias. Tenho uma estrutura básica da história, da narrativa na cabeça, mas quando estou escrevendo, no ato da escritura, percebo coisas sobre os personagens, sobre o enredo, sobre aquelle universo

Carol Chiovatto

Magia nas ruas: Porém bruxa

O primeiro romance de Carol Chiovatto se intitula Porém bruxa (Avec, 2019), uma história de fantasia urbana protagonizada por Isis, uma bruxa que investiga casos extraordinários na cidade de São Paulo.

Na entrevista, Carol conta que Porém bruxa é um livro que celebra a sua paixão pela fantasia urbana, um gênero que – reconhece abertamente – é  típico da literatura anglófona. Admite que gosta da presença do urbano neste tipo de romance. É mais, uma das coisas que ela mais gosta da literatura é como ela tem “o poder colocar um lugar no mapa para a gente, um lugar que às vezes não conhecemos, onde nunca poderemos ir (…) mas que, quando lemos sobre esse lugar, parece de verdade”.

Assim, uma das principais razões para escrever Porém bruxa foi tentar colocar a cidade de São Paulo no mada de alguém. Queria trazer ao leitor um pouco da vida, do caos desta urbe “gigante e devoradora de energia e tempo”, como a descreve Carol.

O segundo motivo para escrever esta história era que havia constatado que muito romances de fantasia urbana estavam protagonizados por homens. Ter uma protagonista feminina permitiu que Carol Chiovatto incluísse na trama temas da atualidade, como o movimento “Me too”, sobre o assédio sexual e apresentar questões do tipo, como é ser mulher num grande cidade?, como çe se mover por suas ruas e se sentir vulnerável, inclusive sendo uma bruxa?

Finalmente, em Porém bruxa queria aproximar o leitor às muitas  manifestações religiosas que fazem parte da cultura brasileira. Assim, a protagonista, Isis, que representa a materialidade do corpo, é uma espécie de agente reguladora da atividade sobrenatural, da parte metafísica, encarregada das religiões.  

Questões de gênero, de orientação sexual… temas absolutamente atuais, tudo isso em Porém bruxa.

Ética e poder: Senciente Nível 5 e Árvore inexplicável

O segundo romance de Carol Chiovatto é Senciente nível 5 (Avec, 2020),onde a escritora mergulha na ficção científica. Apesar das diferenças, o romance guarda aspectos comuns com todos os seus trabalhos, pois sempre estão presentes temas como a autoridade e o poder, e os conflitos éticos derivados de ambos.

Em Senciente nível 5 são tratados temas como o terrorismo biológico e a inteligência artificial…. Uma inteligência artificial diferente ao que estamos acostumados em outras histórias do gênero, e do resto não falamos para não fazer spoiler. Senciente nível 5 fala de imperialismo, de engenharia genética e dos problemas éticos acarretados… e tudo isso envolvido num space opera, digno para os amantes de Star Wars, Star Treck e Battlestar Galactica.

Em 2020, Senciente nível 5 foi finalista na categora de “melhor romance de entretenimento”, nos famosos prêmios Jabuti. Por isso, perguntamos a Carol se considera que esse tipo de reconhecimento é importante para aproximar o grande público a obras de ficção científica. Ela responde com um contundente “sim”. Só ser indicada ao prêmio é muito importante, pois reconhece a qualidade de obras de literatura tradicionalmente consideradas “popular”.

Dar o devido recohecimento à literatura de “entretenimento”, afirma Carol “nos dá o poder de recriar, de reescrever esse imaginário que, às vezes, nos são impostos de fora”.

Em Árvore inexplicável (Suma, 2022), Carol Chiovatto retoma a fantasia urbana, mas com um corte diferente a Porém bruxa, apesar de uma São Paulo impregnada de magia, agora ela tem um caráter científico. O livro foi escrito durante o governo Bolsonaro, em plena pandemia. Impressionada com as atrocidades acontecidas em seu país, em Árvore inexplicável a autora aborda a questão ambiental e a causa animal no Brasil, como uma reação às terríveis imagens de incêndios florestais e devastação que roubaram seus sentidos naquela época. Também encontrou no romance uma forma de devolver a seu lugar a pesquisa científica, muito atacada e questionada pelo bolsonarismo.

Para terminar, Carol Chiovatto compartilha uma interessante reflexão. Ela conta que a literatura fantástica é uma ferramenta maravilhosa para abordar temas sérios, difíceis e até complexos, de uma forma divertida e amena. “Esse é seu triunfo, essa é sua força”.

Essa diversão em nossa sociedade é quase revolucionária, se pensamos que nossa sociedade nos impõe trabalhar, trabalhar, trabalhar… e eu acho que conseguimos falar de muitas coisas sérias, quando estamos nos divirtindo.

Carol Chiovatto

Para saber mais

Chiovatto, A. C. L. (2017). A representação do feminino no mundo de Oz, de L. Frank Baum. Disseratção de mestrado. Univesidade de São Paulo (USP, Brasil), disponível em: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8147/tde-08052017-115800/en.php

Chiovatto, A. C. L. (2022). A consolidação do estereótipo da “bruxa” e sua ressignificação na contemporaneidade: nuances de uma alteridade disforizada. Tesis de doctorado. Univesidade de São Paulo (USP, Brasil), disponível em: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8147/tde-04102022-160656/en.php

Canal de YouTube “Que bruxaria é essa”: https://www.youtube.com/c/Quebruxaria%C3%A9essa

Instagram: instagram.com/carolchiovatto/

Música no programa

BioBrasil é uma coluna do programa Brasil es mucho más que samba dedicada a divulgar a biografia de expertos, profissionais e personagens (históricos e atuais) da vida cultural, política e social brasileira. Brasil es mucho más que samba se emite todas às terças-feiras, às 17h30, em Rádio USAL. Para sugerir uma pauta ou contatar com a equipe do programa, escreva ao masquesamba@usal.es

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