Entrevista
Elisa Duarte: Para começar, queria pedir que comentasse as visões do processo de independência na historiografia brasileira/sobre o Brasil mais recente.
José Manuel Santos Pérez: Assistimos a uma importante renovação dos estudos sobre a Independência. Uma das linhas mais importantes é a participação popular em todo o processo, e o envolvimento que tiveram as mulheres, os indígenas, os escravizados e libertos, nos acontecimentos de 1808-1822, questão que anteriormente havia sido negligenciada. Por outro lado, abre-se uma importante linha de compreensão acerca do debate que existiu na época através dos panfletos e continuam sendo produzidos importantes estudos regionais.
Elisa Duarte: Atualmente, há no Brasil um debate sobre ‘qual independência celebramos’.
José Manuel Santos Pérez: Realmente, há muito tempo se questiona se houve ou não uma “Independência” no Brasil, e se esta teve somente uma interpretação. Também há muito tempo que sabemos que em 1822 triunfou um dos “projetos de futuro”, assim chamados por Itsván Jancsó e que foi gestado no eixo centro-sul, Rio de Janeiro-São Paulo, caracterizado pelo liberalismo conservador, pela solução monárquica e pela manutenção preponderante da escravização. Outros projetos mais radicais, ou de concepções não centralistas do estado ou, inclusive, rupturistas, foram inicialmente desprezados, e depois, reprimidos violentamente. Nesse sentido, o Rio de Janeiro se converteu na “metrópole” quando a família real portuguesa desembarcou ali em 1808, assim como exerceu como tal conquistando o território português na América para impor um dos vários projetos que foram sendo geridos antes e depois da proclamação da Independência.
Elisa Duarte: Temos personagens imprescindíveis como D. Pedro e José Bonifácio, mas e o papel das mulheres?
José Manuel Santos Pérez: Como comentava no início da entrevista, uma das linhas de pesquisa em desenvolvimento trata da participação das mulheres e das “trajetórias” de personagens específicos, além de sua dimensão no processo. É um caminho muito importante para romper com as visões tradicionais da independência. Além dos casos mais conhecidos como da imperatriz Leopoldina, Maria Quitéria e Maria Felipa de Oliveira, soma-se a constatação do fim do mito da Independência como processo pacífico. As Guerras da Independência do Brasil, os vários episódios de violência e das guerras civis ocorridos na Bahia, Piauí, Maranhão, Pernambuco e na Cisplatina são uma parte importante dessa nova forma de estudar este processo.
Elisa Duarte: Quais são os títulos/autores imprescindíveis para aproximar-se ao tema da independência do Brasil?
José Manuel Santos Pérez: A resposta é complicada. Eu recomendaria a leitura dos autores clássicos para ter uma visão panorâmica e depois ler os autores contemporâneos para entender a revisão historiográfica que está acontecendo. Para citar alguns grandes clássicos, começamos com Oliveira Lima, Carlos Guilherme Mota, Emília Viotti da Costa, Maria Odila da Silva e Fernando Novais. Já entre os autores mais recentes, Luiz Felipe de Alencastro, Itsván Jancsó, Andréa Slemian, Márcia Berbel, Marcus Carvalho, Socorro Ferraz, Lúcia Bastos e João Paulo Pimenta. Muitos desses autores participarão no livro Independencia-1822, que estamos organizando para publicar em setembro pela Editora da USAL.
Elisa Duarte: É possível pesquisar sobre a independência do Brasil desde a Universidade de Salamanca?
José Manuel Santos Pérez: Sim, é possível. E isso é assim porque hoje em dia o acesso a fontes através de repositórios digitais é um aspecto fundamental da pesquisa histórica. Por outro lado, tanto na Biblioteca Nacional da Espanha, como no Arquivo Histórico Nacional de Madri ainda há fontes muito importantes que não foram exploradas.
Elisa Duarte: Brasil, 200 anos depois. Quais temas/linhas de pesquisa ainda estão por pesquisar?
José Manuel Santos Pérez: A História é uma ciência social que se caracteriza por uma revisão contínua. Um exemplo claro é este da Independência do Brasil, sobre o qual se escreve desde os anos posteriores a 1822 e ainda é possível escrever muitas outras coisas novas. Por exemplo, creio que a pesquisa a partir de fontes em arquivos distintos aos portugueses e brasileiros pode produzir trazer surpresas. Por outro lado, a história conceitual também oferece importantes contribuições, por é necessário realizar uma “arqueologia das palavras” para saber o que queriam dizer os contemporâneos quando falavam de “Independência”, “Nação”, “País”, “Pátria” e “Cidadania”. Além disso, os estudos chamados “subalternos” continuam contribuindo para o entendimento da participação de setores da sociedade até o momento marginalizados. Foram, à época, marginalizados e continuaram sendo marginalizados pela historiografia. Mas, hoje em dia essa tendência está sendo rompida.
Elisa Duarte: Para terminar, queria que comentasse a temática para o próximo dossiê da REB, o “Bicentenário da Independência do Brasil”.
José Manuel Santos Pérez: Este dossiê é concebido como uma oportunidade para reunir na Revista de Estudios Brasileños textos originais e inéditos que desenvolvam as linhas temáticas propostas, todas elas tendentes a essa nova visão e revisão permanente do tema já clássico da Independência. Demonstraremos, sem dúvida, que a Revista de Estudios Brasileños é um meio de vanguarda na discussão histórica sobre a formação do Brasil como Nação e as muitas e diversas ideias e visões existentes sobre este fato fundamental. O dossiê será uma importante contribuição, entre muitas outras, que o Centro de Estudos Brasileiros deixará para o futuro no contexto dessa efeméride do Bicentenário da Independência.
entrevistado

Entrevista realizada em 5 de julho de 2022.