Catálogo da exposição “As coisas maravilhosas do sertão”, do fotógrafo brasileiro Gustavo Silva de Almeida, correspondente ao programa de Residência Artística de Fotografia de 2025, do Centro de Estudios Brasileños da Universidad de Salamanca.

O sertão nordestino tem sido há muito tempo território de narrativas marcadas pela dureza, o isolamento ou a escassez. No entanto, este projeto fotográfico propõe outra abordagem: um olhar íntimo, poético e comprometido com a riqueza humana e cultural que habita esta região brasileira.

As cidades de Monte Santo e Canudos, no sertão do estado da Bahia, foram escolhidas como eixos dessa travessia visual. Ambas estão profundamente ligadas a episódios da história nacional, como a Guerra de Canudos (1896–1897), e a manifestações culturais e religiosas que permanecem vivas na memória coletiva.

A decisão de trabalhar em preto e branco responde a um desejo de aprofundar na expressividade das imagens. Ao abrir mão da cor, emergem com força as formas, os contrastes, as texturas e os rostos. A fotografia se torna, assim, um canal direto de emoções, afastando-se do decorativo para se aproximar do essencial.

O maior desafio do projeto não foi técnico —embora o clima extremo, a luz intensa ou a poeira tenham representado um verdadeiro desafio para a câmera e o fotógrafo—, mas ético e humano: conseguir representar o sertão sem cair em visões reducionistas ou estereotipadas. Longe de mostrá-lo como um lugar de escassez, o objetivo foi revelar sua vitalidade, sua sabedoria ancestral e sua capacidade de se reinventar frente às adversidades.

As imagens dialogam, além disso, com o imaginário do cangaço e a figura de Antônio Conselheiro, símbolos de resistência social, cultural e espiritual. Também evocam a religiosidade popular, os rituais comunitários e a vida cotidiana, na qual convivem tradição e mudança, austeridade e beleza. Cada fotografia é uma janela aberta para um território profundo, que continua falando, resistindo, criando. Que esse encontro seja também um convite a olhar além do óbvio e a descobrir, no coração do sertão, uma parte fundamental da identidade brasileira.

O catálogo da exposição está disponível em PDF. Escute também a entrevista com o fotógrafo no podcast do programa BMQS.