Catálogo da exposição “Torrão Central”, do fotógrafo brasileiro Felipe Lima, do programa de Residencia Artística de Fotografía de 2023, del Centro de Estudios Brasileños de la Universidad de Salamanca.
A obra reúne 41 fotografias em preto e branco que registram a região sudoeste do estado de Mato Grosso, no Brasil. O projeto foi elaborado em 2015 e concluído em 2023, e oferece um olhar crítico sobre um dos atuais tópicos de maior discussão política no Brasil: a preservação e degradação ambiental.
O estado de Mato Grosso está situado no Centro-Oeste do país, uma região com grandes propriedades agrícolas, dedicadas à pecuária e à produção de grãos e cana-de-açúcar para exportação e produção de etanol. Por isso, o estado é um dos mais importantes atores do agronegócio nacional, portanto, um dos estados-chave para esse debate.
Igualmente, o projeto pretende aprofundar nas questões relativas aos efeitos do capitalismo e da atividade produtiva no meio ambiente, captando os efeitos da presença do agronegócio nas características físicas da paisagem mato-grossense, desde os detalhes do solo e da vegetação até a vastidão de seus horizontes.
O título “Torrão Central” se refere não apenas à localização do estado de Mato Grosso na região Centro-Oeste do Brasil, mas também à estética geral do ensaio fotográfico. “Torrão” abrange tanto o solo, o relevo e os fragmentos dos caminhos percorridos quanto os aglomerados de detritos resultantes do extrativismo ambiental. Por um lado, significa algo que parece sólido e resistente, como as formações rochosas do Parque Nacional da Chapada dos Guimarães, mas por outro, evoca a fragilidade de um bioma sujeito a intensas intervenções da atividade extrativista, dissolvendo-se, infelizmente, com relativa facilidade. Como um torrão de açúcar, algo frágil e delicado que pode quebrar e desmoronar devido a fatores externos, requer cuidado e atenção para a preservação de sua integridade.
O ensaio fotográfico utiliza, em grande medida, uma estética inspirada nos filmes de estrada, onde o transitório, a descontinuidade e o contingente se unem ao desejo de imersão e interesse pelo que se passa ao redor. Sob essa perspectiva, o propósito de captar elementos da realidade mato-grossense se uniu à tentativa de preservar o fluxo e a sensação de movimento fragmentário de um viajante naquela paisagem. O uso do aspecto de filme 70mm (2.20:1) é outro elemento estético emprestado do meio cinematográfico, utilizado para intensificar o contraste entre os diferentes modos de interação com a natureza. O foco visual do ensaio se desloca entre os impressivos detalhes do solo, da geomorfologia e da vegetação característicos da região, expandindo-se pela amplidão campestre — por vezes impactada pela atividade humana, e por outras não.
Por outro lado, as fotografias também procuram captar as belezas naturais do estado, como o Parque Nacional da Chapada dos Guimarães; as vistas do mirante do Centro Geodésico da América do Sul, com a chuva cortando o centro do planalto, registram os padrões climáticos em mudança na região.
Ao final, fornecendo um fragmentário vislumbre de paisagens marcadas pelo agronegócio de Mato Grosso, as imagens do ensaio nos convidam a refletir sobre a intrincada interação entre o ser humano e a natureza, onde forças de produção capitalista colidem com a fragilidade dos ecossistemas. Elas nos lembram do violento e muitas vezes irreversível impacto de ações no meio ambiente e da necessidade urgente de uma abordagem sustentável na interação com as diferentes formas de vida no planeta.
O fotógrafo
Felipe Lima é um artista visual e investigador brasileiro residente em Lisboa (Portugal). É doutorando em Estudos Artísticos – Arte e Mediações pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Multimédia/ Cultura e Arte pela Universidade do Porto e licenciado em Comunicação Social/ Audiovisual pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.
As suas áreas de interesse são a pesquisa sobre as articulações entre estética, subjetividade e poder nas práticas artísticas contemporâneas. A sua pesquisa atual se centra na produção de debates críticos sobre as linguagens, as representações e as políticas articuladas no contexto das cenas de Arte Contemporânea em Portugal.
Possui ampla experiência no meio audiovisual, tendo atuado nos cargos de diretor, roteirista e editor e compositor musical. Nesse âmbito, realizou cursos livres em fotografia de estúdio, produção de arte, produção de animação e stop-motion na School Of Visual Arts (Nova Iorque, Estados Unidos).
A sua prática artística atual se centra na concepção de ensaios fotográficos, ensaios fílmicos, e na cooperação em projetos interartes no Interstruct Collective, coletivo artístico e plataforma de colaboração social da qual é cocriador.