Top 10: Rap e Ciência

Retomamos a nossa colaboração com o Museu da Vida, o museu de ciências da Fiocruz para encher o seu sábado de música.

Neste Top 10 vamos escutar o bom rap brasileiro, começando pelas quatro músicas do projeto Rap e Ciência, desenvolvido na Fiocruz entre os meses de outubre de 2018 e novembro de 2019. A ideia do projeto era fazer rap sobre temas científicos. Financiado pela Fiocruz através de um evento chamado Hackaton da Divulgação Científica em Saúde, durante pouco mais de um ano, quatro rappers e uma produtora cultural se reuniram todos os meses para dialogar sobre temas de ciência, partindo de encontros com especialistas e científicos, e visitas a instituições sanitárias, de ensino e pesquisa.

E quem são os quatro rappers? São moradores e artistas das favelas e bairros da periferia do Rio de Janeiro. A rapper Helen Nzinga, a multiartista travesti Elaiô Vavío, o rapper Xandy MC e o rapper e compositor Lucas Barbosa Chaga$. Junto com eles, a produtora cultural Janaina Felix participou também de todos os encontros e atuou como produtora nos shows dos artistas.

Projeto “Rap e Ciência”

A primeira canção lançada pelo projeto Rap e Ciência foi “InsetRima”. A ideia era refletir sobre a relação entre a falta de saneamento básico e doenças como a dengue, zika e chikungunya, que têm em comum o vetor que as transmite aos seres humanos, o mosquito Aedes aegypti. Na letra da canção, os artistas reforçam o fato de que os moradores das regiões socialmente mais vulneráveis são quem mais sofrem com esta situação, pois frequentemente carecem de serviços essenciais como sistema de esgoto e coleta de lixo. É o meio ideal para que o tal “bicho” se reproduza.

A segunda canção do projeto se intitula “Visão” e seu objetivo é dialogar com os jovens sobre as doenças sexualmente transmissíveis, como AIDS, sífilis e a gonorreia. É um chamado ao cuidado no momento da relação sexual, e sobre a importância do uso de preservativo feminino ou masculino. Ambos atuam como barreira, impedindo que os vírus, bactérias e outros microorganismos passem de uma pessoa infectada a outra no momento do sexo. O ritmo está inspirado no funk carioca, que a faz ainda mais interessante.

A terceira canção lançada por estes 4 jovens artistas foi “Liberdade, vida e amor”, que aborda o tema complexo da saúde mental, principalmente no caso de moradores dos bairros da periferia. Este tema é especialmente importante porque ainda existe muito preconceito, quase um estigma, em torno das doenças mentais. Os pacientes psiquiátricos costumam ser tratados de “loucos”, e vistos com indiferença e pouca empatia. Tudo isso faz com que muitas pessoas deixem de buscar ajuda psiquiátrica por medo ou vergonha. Com este rap tentam normalizar a situação e fazer ver que a saúde mental é tão importante como a física.

A última música do projeto se intitula “Que droga é essa?” e fala sobre a relação existente entre as drogas, lícitas e ilícitas, e a saúde pública. No rap são abordadas questões como o equívoco em lutar contra as drogas somente através da repressão policial, o racismo e até o tratamento de doenças raras com substâncias psicoativas.

O rap brasileiro em seis canções

Agora que já conhecemos todas as músicas compostas no âmbito do projeto, mergulhamos no mar do rap no Brasil. Em primeiro lugar, apresentamos o premiado rapper Rincon Sapiência, da cidade de São Paulo. Começamos com ele porque a sua música “Ponta de lança” serviu de inspiração para o projeto Rap e Ciência. Quando uma das coordenadoras do Hackaton da Divulgação Científica em Saúde estava redigindo o projeto Rap e Ciência, a música de Rincon Sapiência tocava direto no Spotify, e assim o projeto foi se desenvolvendo com essa música como trilha sonora. No seu canal de Youtube, Rincon explica que “Ponta de lança” é uma música pensada para provocar os fãs de rap nacional. Está inspirada no panorama atual do país, onde os fãs parecem gostar maisdos rapers do que das rimas.

Outro grupo de sucesso e que serviu de inspiração para muitos artistas do país inteiro, é Racionais MC’s. Fundado em São Paulo, em 1988, é considerado um dos grupos mais importantes do Brasil. Está formado pelos rappers Mano Brown, Edi Rock, KL Jay e Ice Blue, e conta com músicas cheias de poesia, crítica social e denúncias contra o racismo e o extermínio de vidas negras. Um dos seus discos mais famosos é Sobrevivendo ao inferno, de 1997. Nesse disco está a música “Capítulo 4, versículo 3”, de 8 minutos e 8 segundos de duração, cuja letra começa com estatísticas sobre a população negra no Brasil, como a de violência policial contra esse grupo.

Só as meninas: rappers brasileiras

Bom, depois de um grupo mítico, chega a vez das mulheres, que também são do rap. Drik Barbosa nasceu em Santo Amaro, no estado de São Paulo, é uma das grandes vozes do rap e do hip-hop brasileiro. Como muitos rappers, Drik frequentava as batalhas de rap de São Paulo onde improvisava rimas ao vivo. A única arma permitida nessas batalhas são as palavras afiadas, e que para ela, sobram. Em uma de suas músicas mais recentes, “Quem tem joga”, de 2019, a rapper colabora com outras artistas brasileiras como a drag queen Glória Groove e a rapper Karol Conká.

Outra mulher, ou melhor, artistaça que nos deixa de boca aberta é Tássia Reis, que nasceu em Jacareí, no estado de São Paulo. A cantora explica que se move entre o rap, samba, jazz e outros ritmos, enriquecendo a arte negra brasileira com rimas potentes e inesquecíveis. Tássia se formou como designer de moda e tem uma marca de roupa, Xiu! que apresentou com um videoclipe inédito. A sua música mais ouvida em Spotify é “Dollar euro”, que trata do potencial das mulheres negras para trabalhar duro e ganhar o seu próprio dinheiro, mesmo que vivam numa sociedade que não aceita que elas cresçam economicamente. Uma clara referência à herança escravocrata e ao racismo brasileiro, infelizmente, ainda tão presente nos dias de hoje.

Terminamos o nosso trio feminino com uma rapper de quem falamos rapidamente: Karol Conká. Karol é natural do Paraná, no sul do Brasil, e lançou o seu primeiro disco, Batuk Freak, em 2013. Uma de suas músicas, “Boa noite”, acabou virando trilha sonoda do videogame “Fifa 14”. Em suas composições, Karol aborda temas relacionados com o movimento feminista, com letras que buscam o empoderamento da mulher e vídeos musicais cheios de irreverência, criatividade, estilo e cor.

Emicida, o rapper por excelência

Para terminar, falamos do rapper de maior sucesso e reconhecimento no Brasil, a quem BMQS já dedicou um programa : Emicida. Surgiu também no cenário cultural de São Paulo, Emicida começou triunfando nas batalhas de imporvisação de rimasem SP, saindo vencedor em várias ocasiões. É um ativista reconhecido, que luta diariamente pela população negra brasileira, abordando en suas músicas temas como a vida cotidiana, o amor, a felicidade, o racismo, a violência, a saúde mental e as desigualdades. O seu disco Sobre crianças, quadris, pesadelos e lições de casa, de 2015, foi indicado ao Grammy Latino na categoria de “Melhor álbum de música urbana”. Há muito para escolher entre a sau discografia, mas nos decidimos ficar com a música “AmarElo”, do disco homônimo lançado em 2019, para fechar o programa. A música conta com a participação de Majur e Pablo Vittar e fala da saúde mental. Como 2020 não foi um ano fácil, e 2021 não se apresenta (até agora) muito melhor, gostaríamos de fechar o programa com uma música cuja letra fala de união, superação, forza, fé e especialmente, esperança.

Este programa foi possível graças à colaboração da jornalista do Museu da Vida, Renata Fontanetto.

Referências:

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Projeto Rap e Ciência

Letra da música “InsetRima“.

Letra da música “Visão

Canal de YouTube do Museu da Vida.

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