Esta entrega do Top 10 do Brasil es mucho más que samba fecha um ciclo de colaboração com o Museu da Vida da Fundação Oswaldo Cruz (Rio de Janeiro, Brasil). Nas emissões anteriores, falamos sobre grandes protagonistas da ciência no Brasil e sobre a Arte como meio para a divulgação científica. Nesta última emissão, falamos sobre a peça teatral “O rapaz da rabeca e a moça Rebeca”, uma obra do Museu da Vida, dirigida por Letícia Guimarães.
Para quem não sabe, a rabeca é um instrumento musical, parecido ao violino e é muito típico no Nordeste do Brasil, muito usado no gênero musical que conhecemos como forró.
E falando de forró, seria imperdoável não mencionar aqui que recentemente o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN, Brasil) declarou as matrizes tradicionais do forró patrimônio cultural brasileiro. A decisão veio a público no dia 9 de dezembro, quatro dias antes do Dia do Forró, que se comemora em 13 de dezembro, data que coincide com o nascimento de Luiz Gonzaga, “o Rei do Baião”. Além disso, a decisão do IPHAN diz que o forró é um “super gênero”, ou seja, um gênero musical que alberga outros estilos como o xote, xaxado, baião, quadrilha, entre outros.
A peça “O rapaz da rabeca e a moça Rebeca”
A peça “O rapaz da rabeca e a moça Rebeca” está inspirada na história “O rapaz da rabeca e a moça da camisinha”, do cordelista natural do Ceará (Brasil), José Mapurunga. O texto original é um cordel, que é um texto escrito em verso com uma forte marca de oralidade.
A história desse cordel tem como tema um amor proibido, no melhor estilo Romeu e Julieta. E para nos explicar sobre a peça teatral, contamos nesta entrega com a participação de Letícia Guimarães, atriz e diretora do grupo de teatro do Museu da Vida, quem além de dirigir a obra, atuou como o personagem Rebeca. Letícia Guimarães nos guia contando sobre a construção da obra e nos brinda um bonito testemunho sobre a sua experiência atuando como Rebeca.
Entrevista a Letícia Guimarães
Em 2014, foi publicado no Brasil um estudo que, segundo os dados apresentados, o maior número de contágios de HIV-Aids acontecia entre jovens de entre 14 e 24 anos. Letícia Guimarães diz na entrevista ter ficado muito impressionada com esse dado, e por isso decidiu que tinha que “arregaçar as mangas” e fazer algo. Foi quando encontrou o texto, o cordel, “O rapaz da rabeca e a moça da camisinha”, de José Mapurunga, escrito em 1999. E daí veio a ideia de adaptar o texto de Mapurunga para o teatro, mudando um pouco o título, e assim chegou a “O rapaz da rabeca e a moça Rebeca”.
O protagonista da peça é João Tapeba, um músico que se apaixonou por Rebeca. O pai de Rebeca não via a relação com bons olhos e acabou expulsando João Tapeba da cidade onde moravam, Cantiguba-dos-Aflitos. Porém, João Tapeba, antes de ir, prometeu a sua amada voltar e se casar com ela. Entre aventuras e desventuras, a peça trata do tema da saúde sexual, mais especificamente sobre o HIV-Aids.
Para Letícia Guimarães um dos aspectos que mais lhe chamou a atenção no cordel é que se trata de uma história de relação entre personas heterossexuais na qual uma delas está infectada. Para ela, isso era muito importante porque mudava a ideia preconceituosa que ainda se tem em associar HIV-Aids a pessoas homossexuais.
A obra estreou em 2015. O cenário, diz Letícia Guimarães, era simples, e ela criou uma estrutura de arena para que o público estivesse integrado na ação da obra. E claro, como era um musical, os atores além de atuar, cantavam.
Na última parte da entrevista, Letícia Guimarães conta que para todas as peças que apresentam, o grupo tem a colaboração de pesquisadores da Fiocruz, que lhes assessoram com relação aos temas de saúde e ciência. Para a peça “O rapaz da rabeca e a moça Rebeca” foi fundamental a contribuição do pesquisador Nilo Fernandes, do Instituto Nacional de Infectologia da Fiocruz. Outro tema que ela comenta no áudio é que ao longo das apresentações da peça, o grupo evidenciou um elevado grau de desconhecimento sobre HIV-Aids entre o público jovem. Sobre esse tema, cabe destaca aqui um interessante trabalho de pesquisa, que analisou a contribuição dessa peça para a construção de uma discussão sobre temas de HIV-Aids entre os jovens. O trabalho é de autoria de Carolina Folino, e se intitula “Saúde e teatro: o potencial da peça O rapaz da rabeca e a moça Rebeca para engajar jovens estudantes da Zona Norte do Rio de Janeiro no debate sobre HIV/Aids”.
Depois de cada apresentação da peça, os atores faziam uma dinâmica com o público, para que se animassem a comentar e a preguntar suas dúvidas sobre as ISTs, as Infecções Sexualmente Transmissíveis, tudo de maneira bem lúdica. Para Letícia Guimarães esse era um momento muito importante da atuação, porque o tema da sexualidade entre os jovens continua sendo um tabu entre muitas famílias e entre a comunidade escolar.
E como parte do compromisso da instituição na divulgação científica e na popularização da ciência, Letícia Guimarães conta também sobre a experiência da peça “O rapaz da rabeca e a moça Rebeca” com o “Ciência móvel” do Museu da Vida. O “Ciência móvel” é um programa, uma iniciativa da instituição para levar atividades científicas a localidades que dispõem de poucos equipamentos culturais, como cinemas e museus. O “Ciência móvel” é um caminhão que leva conhecimento, interação e mediação entre a ciência e a população.
Para Letícia Guimarães esse é o projeto mais importante da sua carreira como profissional, especialmente pela experiência de compartilhar com jovens mulheres tantos temas relevantes para a saúde de todos nós.
As músicas no programa
Nesse Top 10 escutamos cinco músicas que foram interpretadas na peça teatral “O rapaz da rabeca e a moça Rebeca” e outras cinco músicas selecionadas a partir das sugestões do público da peça. As duas primeiras músicas são dois clássicos do “Rei do Baião”, Luiz Gonzaga. A primeira é “Numa sala de reboco”, uma composição de José Marcolino e Luiz Gonzaga, na versão gravada no disco Asa branca, de 2016. Depois é a vez de “Vem, Morena”, uma composição de Luiz Gonzaga em parceria com Zé Dantas, do disco 50 anos de chão, de 1996.
Luiz Gonzaga nasceu em Exu, em Pernambuco, em 1912, e faleceu na capital, Recife, em 1989. Depois de uns anos viajando pelo país, Luiz Gonzaga, finalmente, já no Rio de Janeiro, em 1939, começou a tocar na noite carioca. Em 1945, começou, digamos assim, a sua carreira profissional, com a gravação do seu primeiro tema em estúdio, a música “Dança Mariquinha”.
Imagem: Luiz Gonzaga, 1957. Fonte: Wikimedia Commons [https://es.wikipedia.org/wiki/Luiz_Gonzaga#/media/Archivo:Luiz_Gonzaga_(1957).tif].
A terceira música é “Me usa”, do grupo Banda Magníficos, uma composição de Gino Liver e Jotinha. Diferente do estilo mais tradicional das duas primeiras músicas, esta “Me usa” é um forró eletrônico. A Banda Magníficos surgiu em 1995, na cidade de Monteiro, na Paraíba (Brasil). O grupo é uma das referências mais importantes neste estilo de forró, e “Me usa” é um de seus maiores sucessos.
A quarta música do programa é “Pavão misterioso”, uma composição de Ednardo, gravada na voz de de Amelinha, Belchior e Ednardo, no disco Pessoal do Ceará, de 2002. A canção foi lançada durante o período da ditadura militar no Brasil, em 1974, e a letra faz uma crítica ao autoritarismo e a ausência de liberdades individuais. A melodia da música é linda! A letra tem como base a literatura de cordel, pois está inspirada no texto O Romance do Pavão Misterioso, de José Camelo de Melo Rezende, escrito em 1923. O cordel conta a história do amor entre o jovem Evangelista e a condessa Creusa. Diz na letra que ela era a mulher mais bonita em toda a Grécia, e que o pai a mantinha em cativeiro em seu quarto. Uma vez por ano, e somente durante uma hora, ela aparecia publicamente para que os vizinhos contemplassem a sua beleza. Porém, um retrato da condessa chegou até a Turquia, onde vivia o jovem Evangelista, e ele se apaixonou por aquela bela moça na imagem. Decidido a conquistar o amor daquela moça, Evangelista parte com destino à Grécia para encontrar a sua amada. No caminho, ele conhece um engenheiro que lhe prepara um mecanismo alado – o “Pavão Misterioso” – e com esse artefato consegue chegar até o quarto da moça.
No equador da tabela, a música “Toda vez que eu dou um passo o mundo sai do lugar”, do grupo Siba, gravada no disco homônimo de 2007. A melodia é impressionante e fusiona instrumentos como a tuba e o chocalho.
Siba fez parte do grupo Mestre Ambrósio, uma das referências do manguebeat. Depois de sete anos em São Paulo, Siba se mudou para Nazaré da Mata, uma importante localidade no núcleo de produção musical do maracatu rural e coco. Ali, ele fundou o grupo A Fulorenta, reunindo poetas e instrumentistas: Biu Roque (percussão e voz), Mané Roque (percussão e voz), Zeca (percussão), Roberto Manoel (trompete), Galego (trombone), João Minuto (saxofone tenor) e Bolinha (tuba).
Em 2002, o grupo lançou o disco independente Fuloresta do Samba e, em 2007, Toda Vez Que Eu Dou um Passo o Mundo Sai do Lugar, com a participação da cantora Céu, e do guitarrista Lúcio Maia, de Fernando Catatau e de Isaah, ex-membro do grupo Comadre Fulorzinha.
Em sexto lugar, a música “Milla”, de Netinho. A história por trás da música é a seguinte: entre os verões de 1986 e 1987, Manno Góes, compositor da letra de “Milla”, frequentou o Mar Grande, na Bahia. E lá, havia um farol que estava sempre apagado. Uma vez, estando ali, Manno conheceu uma moça baixinha com covinhas na bochecha. Porém, a relação entre eles duro só três meses, porque ela se mudou para outra cidade. Casualidades da vida, anos depois, ela se mudou para o mesmo prédio onde Manno Góes morava!
Em sétimo lugar, temos a música “Rosa dos Ventos”, na voz de Alcymar Monteiro, uma composição original de João Paulo Júnior. Alcymar Monteiro é cantor, compositor, arranjador e produtor musical, que conquistou muito sucesso nos anos 1980. Em 1987, a sua interpretação de “Rosa dos Ventos” foi incluída no disco Sucessos Nota 10, da discográfica Som Livre. Uma curiosidade: Alcymar era amigo íntimo de Luiz Gonzaga.
Na oitava posição, um sucesso absoluto da música popular brasileira: “Xote das meninas”, uma composição de Luiz Gonzaga e Zé Dantas, versionada por diversos artistas brasileiros. Entre eles, a versão de José Domingos de Morais, mais conhecido como Dominguinhos, um instrumentista, cantor e compositor brasileiro. A sua principal referência artística, sem dúvida, foi Luiz Gonzaga. A letra da canção fala das mudanças que acontecem nas meninas quando começa a adolescência, mudanças relacionadas com seus interesses e, claro, com a sua sexualidade. A versão da música que está no programa é a que foi gravada no disco O forró do Dominguinhos, de 2003.
Em nono lugar, a música “Desejo de amar”, de Eliana de Lima. Esta música foi um verdadeiro sucesso nos anos 1990 no Brasil. A versão no programa foi gravada no disco Fala de amor, de 1991. Eliana Maria de Lima é uma cantora e compositora brasileira muito conhecida. A sua carreira começou nos carnavais de São Paulo – ela foi puxadora nos desfiles das escolas de samba -, mas foi em 1991, com “Desejo de Amar”, eternizada graças ao verso “undererê”, que a sua carreira decolou definitivamente.
E fechando esse Top 10, a última música se chama “Paulinha”, do grupo Calcinha preta. A canção é uma versão da música “Without You”, de Badfinger. O grupo Calcinha preta se formou em 1995, e defende um estilo de forró romântico. Os shows da banda têm como marca a superprodução do cenário e das roupas. A maioria de suas músicas são versões de músicas internacionais, além dos solos de guitarra, sendo um dos poucos grupos de forró eletrônico que tem a guitarra como instrumento principal em vez da sanfona.
Antes de fechar esta entrada, agradecer muito a Letícia Guimarães pela oportunidade da entrevista e por ter compartilhado com a gente um testemunho tão bonito sobre a importância da Arte como meio para a comunicação da ciência e para nos ajudar a entender a sociedade na qual vivemos. Finalmente, agradecemos também a parceria com o Museu da Vida, em especial à equipe do Núcleo de Mídias, às jornalistas Renata Fontanetto, Melissa Cannabrava e Julienne Gouveia.
A todas as pessoas que nos acompanharam ao longo deste ano, muito obrigada! Feliz 2022!
Referências:
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