No último 21 de janeiro, o prefeito da cidade do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, orientado pelos secretários de saúde, decidiu que, com motivo do elevado número de contágios pela variante ômicron, os desfiles das escolas de samba do grupo especial passariam para o mês de abril, coincidindo com o feriado de Tiradentes. Sem dúvida, uma decisão inédita para tempos difíceis. Assim, os desfiles das escolas de samba acontecerão entre 22 e 23 de abril. Enquanto isso, oferecemos aqui um voo rasante pelos sambas-enredo que as escolas do Rio defenderão em seus desfiles.
Uma breve nota de esclarecimento: o samba enredo é considerado uma das matrizes do samba carioca, junto com o samba de terreiro e samba partido alto.
O samba enredo surgiu na década de 1920, quando as escolas de samba começavam a se organizar. Porém, foi somente na década de 1970, com a figura do carnavalesco, no caso, dois artistas plásticos contratados pela Salgueiro – Dirceu e Marie Louise Nery -, que foi possível a adequação entre letra, música e estética do desfile.
Começamos pela escola que abrirá os desfiles em abril: Imperatriz Leopoldinense. A escola foi fundada em 1959 e é presidida por Cátia Drumond (a única mulher no cargo entre as escolas do grupo especial!). A sede da Imperatriz Leopoldinense está no bairro de Ramos e a escola traz como samba enredo “Meninos eu vi… onde canta o sabiá, onde cantam Dalva e Lamartine”, de autoria de Rosa Magalhães, que homenageia o carnavalesco Arlindo Rodrigues, responsável pelo primeiro título da escola em 1980. O título do samba faz referências aos carnavais assinados por Arlindo na década de 1980.
A segunda escola em desfilar será a Estação Primeira de Magueira. A “verde e rosa” tem como presidente Elias João Riche Filho, e com a assinatura do carnavalesco Leandro Vieira, leva pra Sapucaí o samba “Angenor, José & Laurindo”, fazendo também uma homenagem a três grandes ilustres, Angenor de Oliveira, mais conhecido como Cartola, José Bispo Clementino dos Santos, o Jamelão, um dos maiores intérpretes da escola. E fechando o trio, Mestre Delegado, que foi mestre-sala da escola, cujo centenário de nascimento se celebrou no passado 29 de dezembro. O samba é uma composição de autoria de Moacyr Luz, Bruno Souza, Leandro Almeida e Pedro Terra.
A terceira escola em desfilar será o Salgueiro. A escola foi fundada em 1953 e atualmente é presidida por André Vaz da Silva e tem como Alex de Souza como carnavalesco. O Salgueiro tem uma longa lista de sambas-enredo sobre temas sociais, recordamos aqui o “A Cana que aqui se planta, tudo dá… Até Energia. Álcool, o Combustível do Futuro”, de 2004, um samba sobre ciência e desenvolvimento tecnológico. Este ano, a escola traz o samba intitulado “Resistência”, que fala sobre, literalmente “ser preto no Rio de Janeiro e no Brasil (país que tem a segunda maior população preta no mundo) é ter que lutar diariamente por respeito”. O samba é de autoria de Helena Theodoro.
A quarta escola do primeiro dia na Sapucaí será a São Clemente. Fundada em 1961, a escola atualmente é presidida por Renato Almeida Gomes, e sob o comando do carnavalesco Tiago Martins, a escola traz como samba enredo “Minha vida é uma peça”, uma homenagem ao ator Paulo Gustavo, falecido no ano passado, vítima de covid. O ator era muito conhecido por sua atuação em comédia, especialmente pelo personagem Dona Hermínia, uma mãe bem brasileira.
E chagamos a Niterói, com a (minha) Viradouro! A escola é presidida por Marcelo Calil Petrus e segue as instruções dos carnavalescos Marcus Ferreira e Tarcísio Zanon. Fundada em 1946, sob as cores vermelho e branco, a escola traz um samba enredo que faz uma viagem no tempo e volta ao carnaval de 1919, depois da Primeira Guerra Mundial e da pandemia da (mal batizada) Gripe Espanhola. Recordemos que no último desfile antes da pandemia de covid-19, em 2020, a escola saiu campeã, com o samba enredo sobre as Ganhadeiras de Itapuã. Para este ano, a Viradouro traz o samba intitulado “Não há tristeza que possa suportar tanta alegria!”, e a letra inova porque está escrita em formato de carta.
E fechado o primeiro dia de carnaval vem a Beija-flor de Nilópolis. A escola foi fundada em 1948, e atualmente é presidida por Almir Reis e tem como carnavalesco Alexandre Louzada. O samba deste ano se intitula “Empretecer o pensamento é ouvir a voz da Beija-Flor”, e a descrição diz assim: “inspira-nos a levar para a Avenida um enredo sobre a contribuição intelectual negra para construção de um Brasil mais africano”. Entre os seus versos, a letra do samba, lemos: “Foi-se o açoite, a chibata sucumbiu, Mas você não reconhece, O que o negro construiu, Foi-se o açoite, a chibata sucumbiu, E o meu povo ainda chora, Pelas balas de fuzil”. A música é de autoria coletiva e, como sempre, conta com a inconfundível voz de Neguinho da Beija-Flor.
O segundo dia de desfile começa com a Paraíso do Tuiuti. A escola está em São Cristóvão e foi fundada em 1952. Atualmente, é presidida por Renato Thor e tem Paulo Barros como carnavalesco. O samba enredo que traz este ano é “’KA RÍBA TÍ YE – ‘Que Nossos Caminhos Se Abram’ O Tuiuti Canta Histórias De Luta, Sabedoria e Resistência Negra”, de autoria coletiva, que faz uma homenagem à ancestralidade, ao conhecimento ancestral iorubá ou, literalmente, “uma homenagem aos pretos, homens e mulheres que marcaram a história da humanidade, porque escolheram os caminhos da determinação, da beleza, do conhecimento”.
A segunda escola do segundo dia de desfile será a tradicional e sempre forte concorrente Portela, a escola carioca com mais campeonatos conquistados. A escola foi fundada em 1923, está em Madureira, e tem como presidente a Luis Carlos Magalhães e como presidente de honra in memoriam a Monarco, falecido no ano passado, e os carnavalescos Renato Lage e Márcia Lage. Este ano, o samba da Portela se intitula “Igi Osè Baobá”, de autoria coletiva. Os baobás são umas árvores altas e de tronco bem grosso que, na cosmogonia iorubá simbolizam a conexão entre o mundo material e imaterial. Daí que a Portela começa fazendo uma reverência a esse saber ancestral, desdobando em aspectos religiosos até chegar ao simbolismo dos sambistas e do próprio samba como um baobá.
Depois da Portela, continuamos com a verde e branco de Padre Miguel, a Mocidade. Fundada em 1955, atualmente tem como presidente a Flávio da Silva Santos, e Fábio Ricardo como carnavalesco. Este ano, a Mocidade Independente de Padro Miguel vem com o samba “Batuque ao caçador”, uma homenagem ao orixá Oxóssi. Vejamos, orixás são divindades da religião iorubá, e Oxóssi o orixá da caça.
E seguindo a ordem do desfile, chega a vez da Unidos da Tijuca, com o samba enredo “Waranã – A Reexistência Vermelha”, que trata da lenda do Guaraná. A escola foi fundada em 1931, tem como presidente a Fernando Horta, e Jack Vasconcelos como carnavalesco.
Depois da Unidos da Tijuca será a vez de Acadêmicos do Grande Rio. A escola é uma das mais novas, fundada em 1988, e tem como presidente a Milton Abreu do Nascimento, e Thiago Monteiro como carnavalesco. Este ano, a escola traz para a avenida o samba “Fala, Majeté! Sete Chaves de Exu”, que contará a história de Exú, um orixá cultuado no Brasil, especialmente no candomblé e no tambor maranhense.
E fechando o desfile das escolas de samba do grupo especial, vem a Unidos de Vila Isabel. A escola foi fundada em 1946, está no bairro que lhe dá nome e Fernando Fernandes dos Santos é o seu presidente, e Edson Pereira, o carnavalesco. O presidente de honra da escola é Martinho da Vila, quem é o homenageado com este samba “Canta, canta, minha gente! A Vila é de Martinho”, um samba que tem até Dudu Nobre na autoria. Promete!
Os desfiles das escolas de samba são uma grande festa e uma igualmente grande indústria. Comunidades inteiras são mobilizadas, num esforço diário durante 365 dias no ano para que em 65 minutos defendam o enredo, a história, que lhes representa. Ano passado, suspenderam o carnaval. Decisão prudente e necessária. Este ano, com um pouco de atraso, sim, haverá desfile. Desejamos a todos os foliões saúde e boas festas, porque como dizem nessas terras daqui, “No hay mal que cien años dure, ni cuerpo que lo aguante”.