Esta é a estreia da coluna “O samba da minha terra”, do programa Brasil es mucho más que samba, um espaço dedicado às histórias, protagonistas, ritmos… ao universo do samba no Brasil. O título da coluna faz referência à composição homônima, “O samba da minha terra”, o título de uma das músicas mais conhecidas do compositor baiano Dorival Caymmi, que foi gravada inicialmente em 1957, no disco Eu vou para Maracangalha.
Nesta primeira entrega, começaremos pelo princípio. Pelo princípio do samba. Toda tentativa de delimitar as origens de um fenômeno cultural é, na grande maioria das vezes, arbitrária. E para o samba não seria diferente. Mesmo arriscando-nos em fatiar demais essa história, começaremos com o que se deu a conhecer como o primeiro samba carnavalesco, a composição “Pelo telefone”. O registro de “Pelo telefone” é o primeiro documento no qual consta “samba carnavalesco”, registro realizado em 1916, na Biblioteca Nacional do Brasil, localizada na cidade do Rio de Janeiro. Rios de tintas foram escritos (e ainda são escritos) sobre as muitas e variadas polêmicas que giram ao redor deste samba: a letra e a melodia; o registro autoral; e suas interpretações pelas ruas cariocas.
De acordo com o historiador da música popular brasileira, José Ramos Tinhorão, o início da República na cidade do Rio de Janeiro foi o momento e cenário para o encontro de grupos sociais de origens diversas, do meio rural e urbano, ex-escravizados recentemente libertos, uma ampla classe social empobrecida, porém “urbanizada”, que vivia nas favelas e na “Pequena África” (a região do centro do Rio de Janeiro batizada por Heitor dos Prazeres), a área da Pedra do Sal, onde, diz-se, nasceram as rodas de samba; e uma espécie de pequena burguesia, trabalhadores já com alguma formação e qualificação profissional, além de outro, estes, poucos, mas com muito dinheiro e poder. Em termos culturais, escutava-se pela cidade carioca todo tipo de música de origem europeia: polcas, valsas, e cantos de origem africana. E assim, e seguimos com Tinhorão, o samba surgia como o resultado de um processo de “seleção cultural” como expressão única, funcional, que permitiria o divertimento no carnaval, nas palavras do próprio Tinhorão, “na forma processual para avançar nas ruas”, em um momento de crescente participação popular no carnaval, onde era necessário caminhar e cantar. Esse contexto musical agitado do Rio de Janeiro durou da proclamação da República, em 1889, até 1917, quando ocorreu o registro do primeiro samba, “Pelo Telefone”, de Ernesto Joaquim Maria dos Santos.
Ernesto Joaquim Maria dos Santos (Rio de Janeiro, 1890 – 1974), mais conhecido como Donga, foi compositor e instrumentista. Filho de pedreiro e de uma das “baianas do bairro da Cidade Nova”, grupo do qual também fazia parte Tia Ciata. Ainda criança, participou na organização de blocos e ranchos carnavalescos, e rodas de música. Donga se formou nesse caldeirão musical que era o Rio de Janeiro de finais do século XIX e início do século XX, tendo as festas na casa da Tia Ciata como referência para os ritmos africanos que marcaram o samba, na época, como nascente gênero musical. Se a marchinha “Ó Abre Alas”, de Chiquinha Gonzaga, de 1889, foi a primeira música escrita destinada para a festividade do carnaval, o “Pelo Telefone”, de Donga, de 1917, determinava o samba como gênero musical carnavalesco. Assim, foi nesse contexto que, junto com Mauro de Almeida, Donga compôs “Pelo telefone”. Porém, o fato notório nessa história não foi só a combinação entre ritmo e letra na música, mas também o seu registro. Em relação a este aspecto, também muito se diz e escreve: ora no sentido de argumentar o interesse do autor em difundir a sua música de maneira mais ampla e popular; ora no sentido do seu interesse em registrar, de forma documental, um gênero musical que vinha se gestando; e, mesmo que ainda de maneira incipiente, pelas crescentes demandas da indústria fonográfica e de autoria. O samba “Pelo Telefone” foi gravado na Casa Edson com a banda Odeon, disco nº 121.313, em cujo selo vinha escrito “samba carnavalesco”. Citando as palavras de José Ramos Tinhorão:
encerrava oficialmente a era do lundu-canção, das chulas e dos maxixes, e estabelecia o primado de um ritmo destinado a sobreviver enquanto for dado às grandes camadas pobres das cidades afogarem em ritmo durante o carnaval um ano inteiro de trabalho mal remunerado e quatro séculos de injustiça social.
Instituto Piano Brasileiro, 1973
Referências:
Donga. Verbete da Enciclopédia. (2020). ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural. Recuperado de [http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa558640/donga]. Consultado [05/10/2019].
Instituto Piano Brasileiro. ([1973, 5 de jun.). Palestra de José Ramos Tinhorão. “O samba – das origens ao pelo telefone” no MIS-RJ. Consultado [08/10/2019].
Origem do samba. Música “Pelo Telefone” completa 100 anos. Canal Futura.