Nesta emissão de “O samba da minha terra” entrevistamos a cantora e intérprete brasileira Rafaela Ventz. Em 2014, tive a oportunidade de conhecê-la – “Rafa”, para os mais próximos -, uma catarinense de Joinville, e conversamos sobre o disco que ela havia gravado na formação da banda Dona Chica. Pouco tempo depois dessa primeira entrevista, voltamos a nos encontrar para a gravação de uma entrevista em vídeo em formato de testemunho. Nesse registro, Rafa compartilhava sobre sua experiência como intérprete, como cantora aqui na Espanha.
“Contestadas”
Já de volta ao Brasil, Rafaela Ventz é a voz do projeto “Contestadas”, uma iniciativa musical que busca, principalmente, dar visibilidade ao papel das mulheres na Guerra do Contestado a partir da música.
O nome do projeto, “Contestadas”, faz referência ao episódio da história do Brasil, a princípios do século XX, a Guerra do Contestado. Segundo Paulo Pinheiro Machado, professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC, Brasil), no texto “A aventura cabocla do Contestado: o conflito e seu desfecho”, publicado no site Que República é essa?, do Arquivo Nacional do Brasil, a Guerra do Contestado foi um conflito armado na região de fronteira entre os estados de Santa Catarina e do Paraná, ocorrido entre os anos de 1912 e 1916, resultando na morte de mais de 10 mil pessoas. Em resumo (e de forma bem simplificada), a guerra envolvia forças do Estado, grandes proprietários e industriais e a população local, especialmente, os chamados caboclos, trabalhadores e pequenos agricultores pobres da região. Ainda assim, a guerra se travou por disputas de fronteiras e por território; a construção de uma linha férrea que conectaria o Rio Grande do Sul a São Paulo foi um dos fatos que teria agravado a situação, gerando um contingente de trabalhadores empobrecidos. Enfim, foram anos marcados por vários conflitos locais e muita violência. Um dos episódios mais duros da história recente do país.
O projeto “Contestadas” surgiu quando Rafaela Ventz participou do Seminário do Contestado, em 2018, organizado pelo Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC, Brasil). No evento, ela teve a oportunidade de conhecer os organizadores do evento e as músicas do projeto chamado “Caboclos rebeldes”, que tinha Duda Nascimento como um dos principais responsáveis pelas composições das letras. A partir daí, formaram uma equipe de profissionais entregados e comprometidos, para produzir seis músicas e vídeos que contassem a história da Guerra do Contestado.
As músicas
Rafaela Ventz conta na entrevista que a música “carro-chefe” do projeto é “Maria Ninguém”, uma composição original de Duda Nascimento e William Peres, “que fala das mulheres invisíveis”.
“’Maria ninguém’ é uma homenagem às mulheres invisíveis e um lembrete dessa violência que ainda vivemos mesmo depois de 100 anos de guerra. De certa forma, isso é coletivo, não é? Isso ainda acontece no mundo todo”.
Rafaela Ventz
A segunda música do projeto, que se intitula “Alumia”, uma composição original de Duda Nascimento, e que entre seus versos diz assim:
Como um pé de vento, veio me avisar
Que o meu lamento vai se acabar
Com três rezas fortes ela levará
Minha angústia, o medo, paz ela trará
Depois chega a vez de “Ocre Bugre”, uma composição de Duda Nascimento, uma música cheia de ritmo. Para Rafaela Ventz, essa é a música
mais leve do projeto e fala da transformação do caboclo, da transformação da natureza, da esperança por algo melhor. Caboclo é isso, ele recebe o que tem, transforma o que está à volta e vive em harmonia com a natureza, recebendo o que a natureza pode entregar e ajudando a natureza a seguir adiante
Rafaela Ventz
Entre seus versos diz assim:
Sou foco, força vital, vivo o instinto, vivo a sobrevivência
Do nascimento crio mudanças, consequências
Salve José Maria
Sou Grato por toda palavra e também por cada momento
Que `a mim chegaram tocando os meus sentimentos
A referência a José Maria aqui trata-se do curandeiro que ficou muito conhecido na região por ter curado a esposa de um grande fazendeiro. Mais tarde, se tornou um importante líder popular na região do contestado.
Sobre “Rio abaixo”, Rafa conta que
é uma homenagem aos amores constituídos em volta do Rio do Peixe, aqui da região, e as cidades foram construídas em volta do rio. E tem muito relacionamento que começa entre pessoas que estão em lados diferentes do rio. E é o rio que permite essa ida e volta para esses encontros
Rafaela Ventz
A penúltima música é “Ver caboclo”, é uma composição original de Duda Nascimento e William Peres. A música fala sobre a experiência dos caboclos na sobrevivência, muitas vezes em difíceis condições de pobreza, mas também o seu compromisso com a preservação e com a exploração sustentável da natureza.
E para fechar o projeto, vem a música “Minha alma”, uma composição de Duda Nascimento. Sobre essa música, Rafaela Ventz diz que se trata do “ponto alto da guerra, quando entre irmãos já estavam brigando, é o degringolar da guerra”. Os seus três primeiros versos dizem:
O céu fechou, minhas vista pretejou
Os encantado vortará
Irmão contra irmão de faca furou.