BMQS: entrevista com José da Costa Junior

“Entender o próprio tempo é sempre um desafio”, entrevista com José Costa Junior, professor de Filosofia e Sociologia do IFMG (Brasil), sobre a relação entre emoções e política no Brasil contemporâneo.

Esta entrega traz uma entrevista com o professor e pesquisador brasileiro José Costa Júnior, professor de Filosofia e Sociologia do Instituto Federal de Minas Gerais – Campus Ponte Nova (IFMG, Brasil). José Costa Júnior é doutor em Ética e Filosofia Política pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG, Brasil) e, atualmente, é pesquisador vinculado ao Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP, Brasil) e ao Centro de Estudos Brasileiros da Universidade de Salamanca, onde ministrou o seminário internacional “O Brasil entre tensões e esperanças”.

O tema tratado na entrevista é sobre emoções e política no Brasil contemporâneo, parte de uma pesquisa que vem sendo desenvolvida desde 2018 por José Costa Junior (em 2017, ele defendeu a tese de doutorado na UFMG, na área de Psicologia Moral). O tema de pesquisa se situa no contexto das mudanças políticas que aconteceram no Brasil a partir de 2013, quando já “havia no ar uma tensão muito grande em relação aos rumos políticos do país, a gente tinha acabado de sair de um segundo impeachment [em agosto de 2016] em poucas décadas, e toda uma tensão que tomava conta das ruas em relação ao que iria acontecer no nosso país a partir disso” (José Costa Junior). A partir daí, era necessário realizar uma análise que interpretasse a situação política brasileira e as emoções suscitadas nesse contexto.

Então, no Brasil, de 2013 até aqui, esse tipo de emoção vai crescer cada vez mais, vai tomar as redes, vai tomar as ruas, e vai chegar às raias da brutalidade política, que talvez seja o meu principal objeto de estudo, entender como que é possível num país que historicamente se dizia “cordial”, seja lá o que é isso queira dizer – curioso, “cordial”, do coração - se aproxima perigosamente da brutalidade política.

Para José Costa Junior, e citando o sociólogo brasileiro Sérgio Abranches, estamos vivendo na “Era do Imprevisto”, caracterizada por mudanças sociais, tecnológicas e ambientais, que “vão balançar o chão de muita gente”.

E nesse começo de século XXI, a coisa fica um pouco incerta - para usar um vocabulário menos desesperado – o chão de muita gente vai balançar. A gente pode pensar até num slogan político do nosso tempo, na eleição americana “Make America great again”, de fazer a América grande de novo. Quer dizer, se olha para um passado estável, com segurança, com vida, com emoções estáveis e razoáveis, pautadas no sonho americano; a gente precisa fazer essa América de novo. Mas, tem jeito fazer essa América grande de novo? Repare, é um apelo a emoções pautado por uma nostalgia, uma segurança afetiva, que hoje eu não posso ter. A fábrica da Ford que realizou o sonho americano foi embora. Isso vai gerar emoções adversativas, principalmente em relação ao ser do outro, a ameaça ou o diferente, que nos está invadindo para tomar os nossos empregos. Então, é curioso que esse tipo de tensão vai surgir num tempo de tanta sofisticação em tecnologia, mas é justamente em função dessas mudanças que esses afetos podem ser estimulados.

E nesse cenário, entra um componente novo, as tecnologias de comunicação, mais precisamente, as redes sociais. Para José Costa Junior, do ponto de vista político, as redes vão ser um veículo tão potente porque criam uma sensação de proximidade, de atenção, o político “fala para mim”. A mensagem da personalidade política “chega nos nossos bolsos, nas nossas telas, né?!”. Com isso, o custo da produção e da disseminação de informação baixa, tornando mais fácil sua disseminação, inclusive, da desinformação.

Então, aqui a gente tem uma junção, o ator político vai falar diretamente para mim, cidadão, sem intermediação e, talvez, ele vai optar por falar a língua que eu falo, os modos pelos quais eu me expresso. Então, aqui há uma captação afetiva, e as redes são mobilizadas por aquilo que a gente chama de economia da atenção, quer dizer, é um ambiente ecológico interessante no qual eu preciso chamar atenção para ser visto. (...) A linguagem política utilizada nas redes é do choque, é da intensidade, da indignação, e isso contagia.

E num país com as dimensões do Brasil, podemos falar em desigualdade de acesso à comunicação e aos dispositivos tecnológicos que permitem alcançar esses conteúdos? José Costa Junior avalia que a acessibilidade ao mundo digital pode ser comparada com algo tão fundamental como o saneamento básico e energia elétrica. Porém, muitas vezes esse acesso é garantido (e motivado) pela chamada “Bigtech”, grandes companhias – por exemplo, em alguns países, as companhias de distribuição de dados possibilitam a navegação em redes sociais sem consumo de dados – que garantem acessibilidade, mas direcionada a um conjunto determinado de informações.

Ao longo da entrevista, José Costa Junior também fala sobre segmentação de conteúdos e sua elaboração específica para perfis diferenciados de redes sociais, como podem ser o Instagram e o TikTok. Sobre esse tema, ressalta especialmente, a mudança geracional, de um grupo da população brasileira (e mundial) que são nativos digitais e que, portanto, mantêm uma relação muito diferente com essas ferramentas, das que podemos chegar a ter toda uma geração “nascida e criada” num ecossistema analógico. Sobre isso, afirma José Costa Junior:

O tom aqui não é apocalíptico. Estamos vivendo um momento de transição, e como transição a gente precisa tatear um novo chão, as tecnologias de comunicação, de interação social são fantásticas - eu não estaria aqui se não fossem elas - e demonizar as redes não é o caminho, porque é impossível voltar atrás. (...) Por exemplo, existem evidências - de novo, sem nenhum tipo de etarismo aqui - que os jovens são menos suscetíveis a desinformação do que outras populações, gente que já está acostumada nesse terreno, os nativos digitais vão ter alguma facilidade para lidar com essa distribuição, que para nós foi um pouco caótica. E já há uma preocupação com isso, a gente via as agências, a gente vê as iniciativas de letramento digital nas instituições, a gente já viu uma preocupação com isso, que em outro momento, pouco tempo atrás, isso não seria tão disseminado.

Estamos vivendo o despertar do “sonho do Vale do Silício, aquele grande sonho de liberdade”, e passamos a enfrentar os efeitos colaterais de uma nova realidade on-life e, para José Costa Junior, o caminho passa por um amplo debate social.

Mas, o debate está em jogo, e isso que é importante em sociedades democráticas com alguma expectativa de liberdade, que as inovações não sejam proibidas em nome de pretensas ameaças, mas a gente precisa pensar nos efeitos colaterais que elas vão trazer, inclusive, para a própria democracia.

A esq. José Costa Junior, à dir. Elisa Duarte. Estúdio Rádio USAL.

Escute o podcast da entrevista completa no link abaixo.  

Para saber mais sobre o tema:

Costa Junior, J. (2022). ‘Rede de ódio: o que ressentimento e revolta podem gerar”. Nexo. Disponível neste link.

Costa Junior, J. (2022). Onde está você agora? A vida sob a economia da atenção. Nexo. Disponível neste link.

Artigos no Observatório da Imprensa.

Artigos no A terra é redonda.

Artigos no Questão de ciência.

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