BioBrasil: entrevista Lídia Ganhito

Falamos com Lídia Ganhito, que pesquisa sobre a representação do corpo feminino na Arte, e organiza oficinas colaborativas de modelos vivos.

Nesta edição do BMQS, trazemos uma entrevista com Lídia Ganhito, coordenadora da equipe FIGAS (feminismos – imagens – gêneros – artes) da Universidade Estadual Paulista (Unesp, Brasil). Lídia está atualmente realizando uma estadia de pesquisa na Universidade de Barcelona, como parte do doutorado que faz no Instituto de Artes da Unesp, em São Paulo. Aproveitando sua presença em nosso país, conversamos com ela sobre a reivindicação do corpo nu como forma de expressão… Mas também sobre a arte contemporânea brasileira, o conceito de decolonialismo ou como organizar oficinas colaborativas de corpos vivos.

Lídia Ganhito: estudando o corpo nu.

Lídia começa a entrevista dizendo que, desde a graduação, orientou suas pesquisas para o estudo do nu. Nesse sentido, em sua dissertação de mestrado, intitulada “Corpos Artistas: Oficinas colaborativas de modelo vivo em contra-ataque“, analisa as barreiras ideológicas que têm impedido os sujeitos-mulheres de participarem como artistas nas sessões de posa, limitando-as ao papel de modelo. Segundo Lídia,

Sempre se falava que houve um processo de exclusão dos corpos das mulheres dos espaços de arte, mas quando você olha as fotos de ateliers de modelo vivo desde o século XIX, na verdade, o corpo da mulher sempre esteve lá, só que como modelo (…). A interdição, na verdade, era para o pensamento desse corpo enquanto artista.

Lídia Ganhito

Em suas pesquisas de doutorado atuais, Lídia Ganhito aprofunda essa ideia, indo além do corpo feminino para abranger todas as representações do que ela chama de “corpos dissidentes”. Parte do cânone do nu estabelecido pela arte ocidental para mostrar como este ainda funciona, até hoje, como um mecanismo de criação de imagens de controle, como uma espécie de força reguladora. E é que, segundo Lídia

O próprio cânon cria formas de representação que reforçam as imagens de controle cisheteropatricais que ditam que tipos de corpos podem ou não estar nas artes.

Lídia Ganhito

Feminista, intersecional e decolonial

Lídia Ganhito estuda o nu a partir de uma perspectiva feminista, intersecional e decolonial. E é que, diz ela, não só o corpo nu da mulher é objetificado: todos os corpos subalternos também o são. Por isso, perguntamos a ela se a arte, de alguma forma, pode contribuir para mudar esse estado de coisas. Ela não hesita e nos fala de uma arma muito poderosa nesse sentido:

Eu penso muito na ideia de contra-ataque (…) pegar as próprias armas que Eles, os grandes Outros, com O maiúsculo, estão usando para tentar oprimir nossos corpos, pegar elas pela mão e enfiar de volta. Por isso que eu me dedico ao estudo do nu.

Lídia Ganhito

Para isso, Lídia nos conta, a teoria queer é especialmente importante, pois ao encontrar prazer no corpo, ao mostrar o corpo, ao desejar o próprio corpo, podemos reivindicar um espaço de expressão para ele. E a arte é muito importante para isso porque

permite que a gente anuncie sobre nós próprias. Quando a gente reflete, quando a gente usa o próprio corpo para criar, a gente está se negando a se submeter a esse sistema que dize que ela não pode anunciar. (…) a própria arte que usa o corpo, que usa o corpo sem roupa, que usa o corpo pelado, que usa o corpo nu como ferramenta de reclame, de identidade, é muito potente.

Lídia Ganhito

Arte contemporânea brasileira (ou paulista!): levantando a voz

Na segunda parte da entrevista, falamos sobre a arte contemporânea brasileira. No entanto, o Brasil é um país enorme e cheio de contrastes e, como bem diz Lídia Ganhito, é impossível falar de uma única arte brasileira. Por isso, nos concentramos nos movimentos que despontam no estado de São Paulo, de onde ela é.

Lídia nos diz que, como reação ao aumento do conservadorismo que teve sua máxima expressão no governo de Jair Bolsonaro, em São Paulo, desenvolveram-se numerosas iniciativas que buscavam oferecer um olhar decolonial sobre questões como o racismo ou as sexualidades dissidentes.

Nas artes visuais, Lídia Ganhito destaca coletivos como o próprio FIGAS, um espaço onde os pesquisadores se unem para fazer e difundir arte feminista-queer. Também a Enciclopédia Sapatão, da Casa1, que reúne artigos sobre lésbicas que atuam em diferentes áreas do conhecimento, ou o Museu Transgênero de História e Arte (MUTHA), um projeto de Ian Habib, que é um dos únicos museus do mundo dedicados exclusivamente a artistas trans, assim como a Editora Crocodilo, que traduz e publica teoria e literatura queer.

Focando em artistas específicos, ela fala de Flavia Ventura, que trabalha com imagens pornográficas em grande formato; Jade Marra, que pinta belas cenas de intimidade em contextos lésbico-queer; Thiá Sguoti, artista trans que investiga metamorfoses imaginárias (ou não); Mayara Ferrão, que usa inteligência artificial para criar imagens que desafiam o olhar colonial sobre o amor de mulheres negras, e a performance de Vulkanica Pokaropa, que investiga o corpo trans.

Na música, Lídia menciona a Orquestra de Formação Alberto Nepomuceno, de Raimundo Damaceno, que oferece formação musical, teórica e prática, a pessoas com diversas experiências de vida, de diferentes etnias, idades, gêneros e orientações sexuais. Ela também destaca o trabalho do Grupo Vão, um grupo de dança formado por mulheres, e o papel importante do Teatro Oficina, que continua sendo a maior referência da resistência artística paulistana.

Lídia Ganhito termina falando sobre cinema e o trabalho de Lillah Halla, que acaba de lançar o filme “LEVANTE“, que conta a história de uma jovem atleta queer que, na véspera de um campeonato decisivo para sua carreira como esportista, descobre que está grávida e começa a lutar para conseguir um aborto, o qual, lembramos, é ilegal no Brasil.

Oficina colaborativa? de modelo nu

Para finalizar a entrevista, perguntamos a Lídia Ganhito sobre um de seus projetos: a oficina colaborativa de corpo nu. É uma prática de desenho, de observação do corpo, na qual as pessoas se organizam horizontalmente, de modo que os papéis de modelo e artista não são fixos, mas fluidos.

Lídia nos conta que desenvolveu oficinas desse tipo em vários espaços de ensino formal e não formal em São Paulo (Brasil) entre 2012 e 2019. De fato, o colabMOV, o coletivo que ela mesma fundou, foi pioneiro na organização de oficinas colaborativas de modelo nu na cidade, embora agora essa prática esteja muito difundida e existam diversas oficinas similares, como o MOVI, no IA-UNESP, ou o Coragem Presente, no Centro Cultural de São Paulo, além de muitos outros de caráter esporádico em centros culturais e universidades públicas e privadas.

Uma oficina colaborativa é, de fato

um espaço de colaboração entre pessoas que querem experimentar a representação do corpo a partir da observação e do desenho. Então, todas as pessoas que participam são convidadas não só a desenhar, mas também a experimentar com essa posição de modelo, inclusive nu, se quiserem. Eu sempre brinco que ninguém é obrigado a posar, mas sem ninguém topar não tem oficina.

Lídia Ganhito

Você se anima?

Música no programa

BioBrasil é uma coluna do programa Brasil es mucho más que samba dedicada a divulgar a biografia de expertos, profissionais e personagens (históricos e atuais) da vida cultural, política e social brasileira. Brasil es mucho más que samba se emite todas às terças-feiras, às 17h30, em Rádio USAL. Para sugerir uma pauta ou contatar com a equipe do programa, escreva ao masquesamba@usal.es

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