Conhecendo Luiza Romão: das batalhas de slam ao Prêmio Jabuti
Pouco depois, autopublicou seu primeiro livro Coctel Motolove, seguido por Sangria em 2017, um livro de poesia mais sólido, em que, em 28 poemas, tenta reler a história do Brasil e da América Latina, sob uma perspectiva feminista. Cada poema é acompanhado de uma fotografia em preto e branco, de partes do próprio corpo da autora, costuradas com linha vermelha e materiais metálicos, como uma metáfora da colonização como ato de violação. Em 2021, publicou Também guardamos pedras aqui, agora publicado em versão bilíngue pela Libero, com o título Também nós guardamos pedras.
[Com ‘aqui’] faço referência à América Latina e, ao publicar na Espanha, me interessava pensar como traduzir isso, [e fiz] como "nós" neste caso e não "aqui", ou seja, mudei esse "aqui", essa referência ao lugar (...) para repensar essa dimensão de uma poesia situada, ou seja, uma poesia que tem corpo, uma poesia que fala do seu território específico.
Luiza Romão
Quanto a seus referentes literários, Luiza destaca como sua principal fonte de inspiração os poetas e poetisas do slam, bem como diversos autores que investigaram a oralidade da poesia, entre eles Arnaldo Antunes e Tom Zé. Claro, não poderiam faltar também os clássicos, como João Cabral de Melo Neto, Carlos Drummond de Andrade e, a recente ganhadora do Prêmio Camões, Adélia Prado.
Desvendando o processo criativo
é uma tentativa de combater [a violência sexual], obviamente, e de abordar esse tema de uma forma que não seja uma revitimização das mulheres
Luiza Romão
Ela faz o mesmo em Nadine, uma narrativa policial na qual uma garota morta investiga seu próprio assassinato.
Me interessava pensar em como representar a violência sem que sua representação fosse uma segunda violência, porque esse processo de revitimização é (...) igualmente violento. [Parto] da sensação de que a violência precisa de palavras para ser suportada.
Luiza Romão
Também nós guardamos pedras
Lembro da sensação de horror ao ler o livro (...) Eu esperava algo mais [parecido com] A Odisseia, algo com deuses, histórias anedóticas, e não. O que encontro é a narração de um massacre. São muitas cenas de assassinatos, descrições de mortes, cenas em que a intenção é fazer o outro sofrer (...) Lembro de pensar: ‘Sério? O Ocidente vai escolher essa narração como a pedra fundamental de toda essa tradição literária, do que até hoje se considera cânone?
Luiza Romão
Luiza pensou que a imposição de um cânone, que fechava as portas a outras influências africanas ou americanas, por exemplo, também fazia parte do projeto colonial e se questionou por que certas literaturas ocupam um lugar privilegiado, sendo escolhidas pelo poder para representar “o tradicional”. Também nós guardamos pedras repensa essa tradição e as bases que a sustentam.
Cada poema do livro é dedicado a um personagem de A Ilíada e oferece diferentes gêneros textuais: há poemas que são como documentos, outros que parecem censurados…, a dimensão performática acompanha o tempo todo a escrita.
Para entender, é preciso levar em conta que o livro é, em si, uma verdadeira performance. De fato, sua publicação original no Brasil foi acompanhada de um vídeo poemário, uma espécie de curta-metragem baseado nos poemas do livro.
Posteriormente, Também guardamos pedras aqui foi publicado em formato de audiolivro, e a palavra ganhou uma nova dimensão vocal, ao receber ritmo, entonação, etc. O último passo foi a performance, tanto em sua versão simples, em que Luiza compartilha o palco com uma DJ que toca bases musicais, quanto em formato teatral completo, com projeções, luzes, figurino… Livro e performance se retroalimentam.